27 de setembro de 2011


Fla não deve deixar o bonde passar

Pergunte nas esquinas qual o craque do Campeonato Brasileiro até agora. Dificilmente nas respostas o nome de Ronaldinho não será mencionado. As belas jogadas, os gols, o fino trato da bola e o carisma dos dentes salientes ainda encantam o mundo. Mesmo na Seleção Brasileira, o veterano é cercado por fãs em busca de autógrafos, fotos ou um sorriso. Seu nome é gritado com insistência. Em seu camisa 10, o Flamengo tem um craque capaz de proporcionar uma retomada do clube na escala dos gigantes e alcançar patamar internacional. A possibilidade de marcar uma era recheada por conquistas dentro e fora de campo e arrebatar ainda mais torcedores, ampliando a vantagem nacional. Falta o clube rubro-negro acordar para isso.

Em 95, o Flamengo teve em suas mãos o então melhor jogador do mundo. Até hoje, Romário, à época no Barcelona, é reverenciado como a maior contratação do futebol nacional. Aos 28 anos, o Baixinho chegou à Gávea para o centenário do clube. Uma nova era se aproximava. Um pool de empresas havia ajudado na contratação e o marketing alçaria o Flamengo a uma das maiores potências do mundo dos negócios do futebol. Mas as teorias não corresponderam à realidade. Em campo, Romário sobrava como sempre. Até hoje mantém a melhor média de gols da história do clube. Eram gols, belas jogadas, mas...apenas um título estadual e, vá lá, uma Copa Mercosul foram conquistados com a ajuda do atacante. As vendas das camisas 11, aliás, explodiram. Mas foi só. Não houve ações de marketing efetivas para valorizar a imagem do clube no embalo de Romário.

O tempo passou, o Herói do Tetra ficou mais lento dentro de campo, o apelo de sua imagem diminuiu e, pasmem, ele chegou mesmo a grandes conquistas pelo arquirrival Vasco. A chance de ouro batera à porta do Flamengo e o clube insistiu em não perceber. O projeto com Romário era grandioso dentro e fora das quatro linhas. A geração do Baixinho no Fla poderia ter sido marcada por conquistas como Brasileiro, Libertadores, Mundial, recorde de bilheterias, venda de produtos licenciados. À altura do craque. Nada. Agora, novamente o cavalo encilhado bate à porta do Rubro-Negro.

A imagem de Ronaldinho é mundialmente mais midiática do que foi a de Romário. Em campo, o camisa 10 desfila talento ainda com 31 anos, mas por vezes parece uma só andorinha. Quase nove meses após sua chegada, quase nenhum produto de R10 foi licenciado. Nem um boneco para os torcedores. Em campo, o clube foi campeão estadual e já observa o título brasileiro escorrer pelos dedos. Muito pouco para quem tem um Ronaldinho. É hora de o clube rubro-negro acordar. Antes que o ímpeto do craque diminua em campo com a idade. Antes que sua volta ao Brasil não seja mais tão impactante. Antes que o bonde R10 passe à sua frente como passou o de Romário.

26 de setembro de 2011


O direito de dizer não

O queixo da maioria dos comentaristas e boleiros despencou. Mário Fernandes, jovem lateral e zagueiro do Grêmio, ousou dizer não para a Seleção Brasileira. Aos 20 anos, ainda uma promessa, o gremista teve a coragem que muitos medalhões não têm mesmo após anos de experiência no mundo da bola. Não rumou para Belém, onde encontraria os companheiros, vestiria a camisa amarela e enfrentaria a Argentina em uma partida sem valor algum. Por contrariar o sagrado e questionável mandamento de servir à Seleção, Mário sofre com críticas de todos os lados. Compreensível, mas não aceitável. Afinal, Mário Fernandes tem o simples direito de dizer "não, obrigado" a Mano Menezes e sua trupe amarelinha.

Na bíblia dos moralistas de plantão, a atitude do lateral gremista é altamente perigosa. Colocará em risco sua carreira, a possibilidade de vingar no futebol e deve até mesmo nunca mais ter uma chance de vestir a camisa da Seleção. Mas quem disse, cara-pálida, que o sonho de todo jogador de futebol é exatamente vestir a camisa da Seleção Brasileira? Mário Fernandes e outros estão aí para provar o contrário. O sonho do lateral pode ser o de fazer história no Grêmio, depois rumar para o futebol europeu e ter estabilidade financeira. Seleção? Talvez em algum momento. Mas sem essa necessidade de se envergar a um desejo que muitos imaginam ser coletivo. Não é. Mário Fernandes possivelmente ficará rotulado pelo resto da carreira como o jogador que decidiu dizer não à Seleção. Um absurdo, um acinte, muitos dirão. Dois pesos, duas medidas.

Pois Muricy Ramalho em 2010 decidiu permanecer no Fluminense por motivos que só ele bem soube compreender. Foi tachado como "de muita personalidade", "um técnico sério, que não se curva à CBF". Muricy teve o seu direito de dizer não. Mário Fernandes, agora, parece tolhido de qualquer possibilidade. Talvez por ser garoto. Talvez por não ser um professor. E já sofre com o peso de sua decisão ao ser chamado de louco, irresponsável ou inconsequente aos quatro ventos. O que acontecerá com a carreira dele só mesmo o tempo poderá nos dizer. O gremista não é louco, inconsequente ou traidor da pátria. Mário Fernandes, simplesmente, tem o direito de dizer não.

23 de setembro de 2011

Precisam-se de Locos

Ser ídolo no futebol é para poucos. Muitos tentam, com e sem os pés. Dentro e fora de campo. Mas não basta. Tem de ter espírito. O dom. Nascer com ele. Sebastián Abreu é assim. Excêntrico por si só, foi logo tachado de Loco no início da carreira. Nasceu, então, Loco Abreu. Muitos o acusam de ser caneleiro, fanfarrão. Às vezes até é. Mas o camisa 13 do Botafogo é muito mais do que isso. Loco nasceu para ser ídolo. Parece ter sido talhado para tal personagem. Com seu estilo irreverente e sua sina de decisivo, ganha mais admiradores, alvinegros ou não.

Não são apenas gols, belos dribles e títulos que tornam um jogador de futebol um ídolo de verdade. É a maneira como se porta, a presença nos momentos decisivos, a capacidade de capitanear a mudança no espírito de um clube. Loco Abreu, no Botafogo, é assim. Esqueçam aquele Alvinegro do chororô de 2008. O uruguaio da camisa 13 jamais permitiria algo assim. Pelo contrário. Ele provoca o rival e faz o gol com cavadinha, pondo fim ao jejum em finais. Lava a alma do botafoguense. Em campo, luta como muitos, consegue ser decisivo como poucos. Aprendeu rapidamente a língua falada em General Severiano. Coisa de Loco.

Diante do Grêmio, no Olímpico, mais uma vez foi assim. Loco Abreu gritou, chiou, esperneou, reclamou e chutou. Foi a Estrela Solitária encarnada, decidiu o jogo num facho de luz, rumo à estrada dos louros. Não é pouco. O Botafogo hoje tem Elkeson, Renato, Cortês, Jefferson. Mas ninguém entende tanto a torcida, o espírito do clube como Loco Abreu. Em um futebol tão vazio em declarações, provocações sadias, lá está o Loco para mostrar o porquê de ter luz própria. Garante que chegou ao clube para vencer o arquirrival Flamengo. Dias depois, marcou gol nos rubro-negros. E não ficou por aí. Cruzou os braços, posou para as câmeras e debochou da comemoração tradicional do ícone do rival, Ronaldinho Gaúcho. Não é mesmo pouco. Sorte do Botafogo. Que bom seria se o futebol tivesse mais personagens como esse. Precisam-se de mais Locos.

11 de setembro de 2011


Hora da chacoalhada

É preciso dar uma chacoalhada. Não, não. Você, torcedor rubro-negro, permaneça em casa durante a semana, acompanhe o noticiário por jornais e tv, e proteste, se for o caso, apenas no Engenhão no próximo domingo contra o Botafogo. Nada de treinos, cobranças exageradas durante a noite com direito a caso de polícia. Bobagem. Isso é apenas futebol. Mas é necessária, sim, uma boa mexida no Ninho do Urubu por Vanderlei Luxemburgo. Natural e compreensível que o treinador tenha defendido até agora a presença de medalhões no time rubro-negro. Até agosto, o time havia disputado pouco mais de 40 partidas e, pasmem, perdido apenas uma. Mas o fio virou. De vez. E talvez só acorde com uma boa sacudida.

A culpa de Luxemburgo, ironicamente, recai na insistência com alguns jogadores. Não há motivo algum para perseguição pessoal. Mas na vida e, principalmente, no futebol, caso você esteja em má fase continuamente a tendência é que haja uma substituição. Você, torcedor rubro-negro, irá berrar aos quatro cantos que Galhardo pode não substituir Léo Moura com a mesma categoria na camisa 2. Mas às vezes é um simples momento. Uma mudança com direito a conversa nos bastidores do CT rubro-negro. E deixar claro que o que interessa para todos ali, claro, é o Flamengo na disputa do título, algo que deixou de ser real.

É visível que Léo Moura parece ter perdido o fôlego em alguns meses. Thiago Neves não vem bem desde que foi cortado na lista de Mano Menezes na Copa América. Willians anda meio perdido com a ausência de Airton no meio de campo. Ótimos jogadores e até certo ponto normal que passem por má fase. Mas quando muitas peças de uma só equipe desandam a jogar mal é preciso mexer. Sem drama, sem bico, sem mimimi. Talvez apenas uma resolva. Talvez sejam necessárias quatro. É tarefa de Vanderlei Luxemburgo tentar encontrar razões para que o time despenque de maneira tão assustadora da tabela em tão pouco tempo.

Demitir o técnico é bobagem. Quem irá substituí-lo? Olhe o mercado, veja o trabalho já realizado até aqui. Não há sentido. Assim como parecem ser baboseira as teorias que apontam os jogadores como vilões por se rebelarem contra o trabalho de Luxa. Contra o Atlético-PR, o time se esforçou, correu, deu carrinho e até começou bem. Mas as fases tática e, principalmente, técnica são muito ruins. O chute sai torto, a bola que era tocada de maneira macia agora recebe um golpe que a faz viajar no espaço e pouco ajudar para mudar o placar a favor. São oito jogos sem vitória. De segundo para sexto. A tendência, sem alguma mudança, é daí para baixo. Por isso, sem desespero, com muito papo e talvez algumas mexidas, é hora de o Flamengo sofrer uma chacoalhada. Para aí, quem sabe, despertar do sono que vive no Brasileiro.

Por que não, Flu?

Parecia um ano fadado ao fracasso desde a saída de Muricy Ramalho e o polêmico episódio do rato nas Laranjeiras. Mas o Fluminense demonstrou força de campeão. Após a quase interminável sequência de péssimo resultados, lá está o Tricolor beliscando a ponta da tabela. Ainda são seis pontos de diferença para o líder Corinthians. Verdade. Mas o Flu de Abel Braga já se acostumou à subir ladeira depois de quatro vitórias consecutivas. Candidato fortíssimo à Libertadores e, mais para frente, até mesmo pela taça.

Em um campeonato tão parelho como é o Brasileiro, um time com bons valores como o Fluminense deve sempre disputar o topo da tabela. Pois foi só Mariano voltar a ser veloz como em 2010, cheio de vontade, o menino Lanzini ser descoberto para levar a equipe à frente e Fred e Rafael Moura, um dos dois, se acostumarem a fazer gols para o time iniciar a subida na tabela. Abelão sabe que o que tem em mãos não é de pouco valor. Tem um bom time, um bom elenco. Talvez não a ponto de ser indicado como um dos favoritos a mais um caneco nacional. Mas o Fluminense atual tem pedigree de campeão brasileiro. E isso pode ser decisivo em uma reta final.

Muricy passou, mas deixou nas Laranjeiras o know-how do campeonato. Apesar de a grande referência de 2010, Conca, ter ido embora, muitos outros jogadores ainda vestem o manto tricolor. Leandro Euzébio, Mariano, Carlinhos, Diogo e até o próprio Gum estão lá. Sabem o que fazer no momento mais difícil, qual partida pode ser preponderante na contagem final de pontos em dezembro. Mais do que isso, o Flu tem um elenco para se apoiar. Souza, Ciro, Rafael Sobis, Rafael Moura, Diguinho, quando recuperado, são ótimas opções no entra e sai sem fim que o Brasileiro proporciona. Por isso, o Tricolor das Laranjeiras está vivíssimo na briga pela Libertadores. Se voltar a contar com o embalo da torcida, famosa pelas belas festas e incentivos, e mantiver o espírito vibrante na partidas, vai em busca do segundo título consecutivo. Ainda dá tempo, sim. É só acreditar. Por que não, Flu?

10 de setembro de 2011


Respeitem o Ricardo

Diante da cena dramática de Ricardo Gomes com parte do corpo paralisado no banco de reservas do Vasco e, posteriormente, de seu comprovado grave estado de saúde, é natural e legítimo o interesse que ronda o técnico vascaíno. A comoção em abundância, no entanto, passou. Sem dó nem piedade, muita gente pouco se importa em perceber quão delicado é o momento. Especulações de nomes para o cargo de Ricardo Gomes aparecem mais do que os milhões de euros para levar Neymar para o futebol europeu. São ofertas, desmentidos, boatos e nenhum bom senso nas consequências do que palavras e imagens ao vento podem causar a Ricardo e sua família.

Por diversas vezes, o Vasco se pronuncia. Não está pensando, não pensa e não tem interesse em trazer no momento um substituto para Ricardo Gomes. Até porque a principal cabeça que pensava ao lado do treinador em São Januário está à beira do gramado: Cristóvão Borges, seu fiel auxiliar. Mas o apetite pela fome e pelos boatos é insaciável. Dane-se o Vasco dizer não ter interesse em substituir o técnico agora. Parece valer levantar a polêmica ao afirmar que o clube deveria fazê-lo o mais rápido possível com o argumento de não perder a chance de título do Campeonato Brasileiro. Pois bem. Pergunte a cada jogador vascaíno, à maioria dos torcedores que carrega a cruz de malta no peito se o sentimento não aumentou ainda mais com o drama do treinador. Claro que gostariam de levar a taça em homenagem a ele, figura correta, querida e respeitosa no sujo meio da bola. Mas sem ninguém em seu lugar. Pelo menos até o fim da temporada.

Caso Ricardo Gomes seja aconselhado por médicos e família a não continuar a carreira de treinador, a discussão sobre um novo nome para o cargo será válida. Já com ele fora do hospital e de perigo, talvez até com um novo cargo oferecido pelo clube. Mas por enquanto não é. Ricardo Gomes merece mais consideração agora do que nos dias em que esteve à beira do gramado com o agasalho vascaíno. Internado em um hospital, lutando a cada dia para voltar a viver sem sequela alguma, ele emociona multidões com a simples informação de que retribuiu a declaração de amor do filho. Maldade pensar, de maneira mesquinha, que alguém cogitaria substituí-lo por agora. Não vale. No oceano das especulações, até qualquer lucidez é perdida com jornais que estampam em sua capa uma foto do técnico entubado no hospital. Deveriam repensar a consequência. Não pelos leitores, não pela profissão. Por humanidade. Por favor, respeitem o Ricardo.

8 de setembro de 2011


Pensatas de um (provável) jogão

Corinthians e Flamengo podem até não fazer o jogo pela liderança que chegou a ser qualificado como a velha bobagem de final antecipada há dez dias. Mas não deixa de ser um jogão que se anuncia no Pacaembu. Importante, tenso e talvez até um divisor de águas para cada equipe. Sim, pois tanto o time de Tite como o de Vanderlei Luxemburgo estão com a água no pescoço diante de tantos desleixos ultimamente. Pau a pau na tabela desde o início do campeonato, os dois clubes mais populares do Brasil voltam a se encontrar justamente quando estão em declínio e a turma de baixo já os passou na tabela ou os ameaça cada vez mais. Difícil fazer um prognóstico sobre quem sairá sorridente hoje à noite em São Paulo. Mas a balança pende um pouco lado o corintiano por uma série de fatores que se apresentam.

Tite, por enquanto, não conta com desfalques. Pelo que armou durante os treinamentos do Timão durante a semana, ele promete explorar ao máximo as deficiências de um Flamengo debilitado com algumas baixas. Pois vejamos. A simples troca de Danilo por Alex evidencia a opção por velocidade no meio de campo. Opção ainda mais escancarada com um ataque formado por Jorge Henrique e Emerson, nas pontas, e um Liedson mais centralizado, mas em movimentação contínua. Do outro lado da trincheira, Vanderlei Luxemburgo terá trabalho. Airton, seu cão de guarda, faz muita falta. Com as passagens dos atacantes corintianos pelas laterais, Léo Moura e Junior Cesar terão trabalho extra na marcação e pouco poderão se dedicar à parte ofensiva. Ao abrir a marcação rubro-negra, a zaga carioca ficará mais exposta às ofensivas de Alex, além de Ralf e Paulinho. Daí, provavelmente, a opção de Luxa por Welinton na defesa e sua velocidade. Afinal, Maldonado, sem ritmo de jogo, estará na proteção à zaga.

Com o jogo aberto e o Flamengo atacado, a aposta terá de ser em uma rápida saída no contragolpe com Ronaldinho e Thiago Neves pelos lados. Difícil aí é contar com a eficiência de Deivid para transformar chances que provavelmente serão raras. A outra opção rubro-negra recai no velho sistema de jogo que apresentou em bons momentos no Brasileiro: a farta troca de passes para cansar o adversário e achar a brecha. Mas com uma marcação mais ferrenha do Corinthians com Ralf, Paulinho e companhia em um Pacaembu em ebulição, manter o controle da partida parece muito improvável. Salve aí um Ronaldinho em dia inspiradíssimo como diante do Santos, a tarefa será muito difícil para o Fla. Mas igualmente importante para o Corinthians. Quem perder o jogão começa a se complicar de verdade na luta pela parte de cima. Nem tanto pela pontuação, mas pelo momento. Será um duro baque. Mas vale esperar o jogo do Pacaembu.

7 de setembro de 2011


A nova Estrela Solitária

Difícil não prestar atenção neste Botafogo que brilha intensamente no Campeonato Brasileiro. Está leve, livre, muito solto dentro de campo. A sorte sorri ao time, à torcida. Tudo parece dar certo. Mas nem parece, mesmo, o Botafogo de outros tempos. E nem faz tanto tempo assim. Mais do que um time, era um clube que sentia-se inferiorizado com erros de arbitragem. Ganhou apelido de chororô no épico episódio da Taça Guanabara de 2008 contra o Flamengo. Tinha certeza de que era perseguido. A mudança passou por um nome: Maurício Assumpção. Discreto, de fala pausada e sem o ar pedante que costuma cercar os cartolas brasileiros, ele assumiu o Botafogo e lhe deu outra cara.

O processo, claro, não seria fácil e muito menos rápido. Lá se vão quase três anos desde que a atual gestão assumiu o Glorioso. Maurício Assumpção soube se portar. Por mais que tenha sido prejudicado por arbitragens como qualquer outro clube, o Botafogo deixou de espernear, dar chiliques ou protagonizar o chororô. Maurício preferiu a discrição. Fez os alvinegros se conscientizarem de que o clube é maior do que erros de arbitragem. Bastaria um trabalho bem feito. Nada das bravatas da época de Bebeto de Freitas, que deixavam os nervos dos corredores de General Severiano a mil. Maurício Assumpção é político, soube se aproximar da CBF sem desgastar a imagem, a ponto de ser chefe de delegação de um amistoso da Seleção Brasileira. Simultaneamente, estruturou o departamento de futebol. E reformulou o time.

Nem mesmo mais uma derrota para o Flamengo, em 2009, o desanimou. Um ano depois trouxe Loco Abreu, deu garra uruguaia ao time e força necessária para derrubar o algoz rubro-negro no Estadual. No Brasileiro, campanha digna. Neste ano, o Botafogo causou desconfianças. Mas Maurício Assumpção, sempre calmo, avisou que teria time para disputar o título brasileiro. Muitos, incluído aí este blog, desconfiaram das palavras de Assumpção. Mais uma vez, ele mostrou ser diferente. Em silêncio, trouxe Renato, do Sevilla. Na queda de braço com o Fluminense e seu cofre, levou Elkeson. Em momento de incerteza, segurou Caio Júnior no comando. Hoje, o Botafogo brilha e o time joga o fino. Está, sim, na briga pelo título após muitos anos. É mais um degrau. Graças a Maurício Assumpção, a Estrela Solitária tem outra cara.

6 de setembro de 2011


A palavra de Abelão

O primeiro Brasileiro de pontos corridos já estava a pleno vapor em 2003 quando 13 jogadores resolveram deixar a Ponte Preta. Nove tinham um motivo: salários atrasados. No comando de um navio que parecia fadado ao naufrágio chamado rebaixamento, saltou aos olhos a atitude de Abel Braga. Campeão pelo Vasco, respeitado no futebol francês e bem resolvido financeiramente, Abelão tinha tudo para pedir o boné. Não pediu. Perguntado sobre o porquê de seguir na luta mesmo com sondagens de outros clubes, o treinador garantiu que deveria cumprir a palavra de deixar a Ponte Preta na Primeira Divisão. Poucos levaram fé na permanência dele no clube e da Ponte Preta na elite do futebol brasileiro. Pois o treinador cumpriu sua palavra.

Por isso, não é de se estranhar que Abel Carlos da Silva Braga tenha cumprido sua palavra mais uma vez no Fluminense. Possivelmente um caminhão de dólares para comandar a seleção dos Emirados Árabes lhe seduziram. Mas o fato é que Abelão disse não. Era sua obrigação com um clube que o aguardou pacientemente por três meses, abrindo mão talvez até do restante da temporada e sob uma chuva de críticas, fossem elas justas ou não. O Fluminense não merecia uma traição de Abel, que vez em outra jura amores pelas três cores que traduzem tradição. Mas bastava olhar o histórico do treinador para saber que ele manteria, sim, a sua palavra. O estilo de Abel é cada vez mais raro no meio boleiro sujeito a piores decisões.

Abel é ao mesmo tempo profissional e amador. Profissional porque mesmo que admita ser tricolor não se furtou de comandar o rival Flamengo em 2004. Amador porque à beira do gramado o treinador parecia ser rubro-negro de carteirinha. Como foi pontepretano. E, claro, colorado, com o título mundial em 2006, sua consagração. Seja de agasalho vermelho, rubro-negro, tricolor ou alvinegro no banco de reservas, é daquelas raras figuras que não mudam de comportamento de acordo com o clube. Abel é Abel. Sempre. Xinga, berra, vibra, desanima de acordo com os resultados da camisa que veste. Geralmente, vai até o fim. É a palavra de Abelão.

5 de setembro de 2011


Bonde em xeque

Algo parece ter saído dos trilhos no Ninho do Urubu. Não só pelas últimas atuações desastrosas da equipe no Campeonato Brasileiro. É de se estranhar o tom das, digamos, conversas públicas depois da derrota para o Bahia. Angelim dispara a favor de Welinton, barrado por Luxemburgo. Talvez sem perceber, atropelou Gustavo sem dó nem piedade. Minutos depois, o técnico dispara ao ser perguntado se o time jogou mal: "Mal, não. Foi péssimo. Péssimo!". Curioso. O badalado Bonde sem freio que embalou no Brasileiro capitaneado por Ronaldinho parece estar em choque com si mesmo. Seis partidas sem vitórias. Três pontos em 18 disputados. Mas, afinal, há algo de podre no Reino do Ninho do Urubu? Talvez.

Não só a crise de flatulência que, de acordo com rádios e sites, foi o estopim para uma discussão entre o treinador e comandados. Ingênuo acreditar que uma brincadeira infeliz como essa, tão comum em ambiente boleiro, seria suficiente para tirar o Bonde dos trilhos. O fato é que por motivos de campo ou extracampo, o Flamengo está perdido no Brasileiro. Pior, sem reação. Não é apenas a ausência de Airton que tornou a defesa tão desprotegida. O Fla das últimas rodadas parece não vibrar tanto para vencer uma partida como se acostumou a fazer nos bons momentos do primeiro turno. Está confuso mesmo com Ronaldinho, seu craque, em campo. Um desperdício. Difícil entender a vocação rubro-negra para a autogênese das crises. Mas em alguma esquina do Ninho do Urubu algum episódio sempre se apresenta para ameaçar a caminhada da equipe nos trilhos.

Em 2009, Adriano alegou ter pisado em lâmpada e desfalcou o time contra o Corinthians na penúltima rodada. A campanha do hexa poderia ter se desestabilizado. Mas foi contornada. Impossível dizer se agora o Fla terá a mínima tranquilidade para bater o Timão no Pacaembu, na quinta, e voltar com força máxima para a disputa do título. Diante do quadro, a tendência é mesmo de que os rubro-negros fiquem pelo caminho uma vez e vejam na Terra da Garoa o título ficar ainda mais distante. Mais uma vez, o Flamengo parece brigar com si. Os rivais, de longe, agradecem por ver tamanho gigante tropeçando nas próprias pernas, ainda mais com um gênio do quilate de Ronaldinho em boa fase. O Bonde está em choque. Mas também em xeque.

3 de setembro de 2011


Felipão: ame-o ou deixe-o

O estilo general e a cara de rabugento podem dar a Luiz Felipe Scolari o ar de ultrapassado. Para muitos, não deveria mais estar ali. A época já passou. Mas ele resiste. Agasalho verde à beira do gramado, Felipão faz caras e bocas, berra pelo Palmeiras e defende o clube com unhas e dentes. Provavelmente um dos primeiros argumentos contrários ao técnico será "ele ganha muito para isso". Para treinar o Alviverde imponente, sim, Felipão recebe um pomposo salário. Além do currículo para justificá-lo, o trabalho com o limitado elenco que tem em mãos é bom desde 2010. Mas Felipão vai além das fronteiras de técnico.

Scolari veste sempre a camisa do clube ou seleção que comanda. Foi feroz com a Seleção Brasileira em 2002 e quase saiu literalmente no tapa no comando de Portugal. Em clubes, não é diferente. Compra briga com empresários, dirigentes e até jogador se for necessário para defender os interesses do clube. No Palmeiras é assim. Chia, resmunga e por muitas vezes sai até do tom. Mas o técnico parece mesmo uma fera selvagem em defesa da cria. Que ninguém tente debochar do Palmeiras, pois ele dará a resposta. Fez isso com Lincoln, ex-jogador do Verdão e hoje no Avaí. A resposta foi curta e grossa, à la Scolari. E lembrou ao apoiador que o Palmeiras paga parte do seu salário. Alma do torcedor lavada.

Luiz Felipe Scolari não tem mais necessidade de ficar na batalha campal do dia a dia do futebol. Está consagrado em seleções e clubes. É respeitado e se faz respeitar quando necessário. Volta e meia, como na última semana, declara estar de saco cheio. Pode até estar. Mas difícil vê-lo abandonando o futebol assim, de repente. Felipão gosta da peleja e tem seu jeito próprio. Resmunga, faz careta e passa até dos limites ao partir para cima de um fotógrafo que o tenta registrar sob suspensão. Mas pouco teriam paciência para lidar com o vaivém infantil dos bastidores políticos do Palmeiras e com a limitação da equipe. Scolari ainda tem. Aos poucos, leva o Verdão a um papel digno. Entre bravatas e competência, defende a torcida alviverde. Este é Felipão. Este será sempre Felipão. E não mudará. Ame-o ou deixe-o.

1 de setembro de 2011


Fora de série extracampo

Em meados dos anos 2000, Romário começou a flertar com a política. Filiou-se a partido, mas garantiu que não seria nada demais. Mas a veia política do Baixinho começou a saltar. Na caminhada pelo milésimo gol, em 2007, sensibilizou muita gente ao discursar no Congresso a favor dos portadores da Síndrome de Down, como Ivy, a filha que levava ao colo no discurso. Emocionou-se e decidiu, então, lutar por alguns direitos de maneira enfática. De terno e gravata. Ali, o futebol brasileiro viu o nascer de um fora de série extracampo.

Romário não tem papas na língua. A vida financeira é estável, o talento dentro dos gramados inegável e o prestígio de ser um dos melhores do esporte na história, inabalável. Eleito deputado federal, o Baixinho deu um bico na vida sossegada e pôs-se a desafiar os desmandos de quem faz o que quer com o dinheiro público. Assessorado por uma boa equipe, o ex-atacante fiscaliza, cobra e põe a boca no trombone contra descasos de obras da Copa, convoca o todo poderoso presidente da CBF para prestar esclarecimentos sobre orçamentos do Mundial de 2014. Poderia ser demagogia. Mas o Baixinho não é disso. E paga o preço.

Lembre do pomposo sorteio para as eliminatórias da Copa realizado no Rio de Janeiro. Ronaldo, o bacana amigo da Casa Brasileira do Futebol, estava lá, pimpão e rechonchudo dentro de um terno e com a mão girando em um pote recheado de bolinhas. Nunca o Fenômeno esboçou qualquer crítica contra absurdos como a isenção do Itaquerão, os saltos orçamentários da nababesca obra no Maracanã. Romário não estava na festa. Heroi do Tetra, foi deixado de lado justamente por estar ao lado do povo que o elegeu. Tem poder político para contestar e legitimidade de um ídolo para chamar atenção para qualquer episódio. Faz-se valer da maravilhosa era das redes sociais, onde encontrou um palanque extremamente efetivo para expôr sua opinião.

Com o mesmo ímpeto com que partia para cima dos zagueiros, ele pergunta de quem é a responsabilidade sobre as comidas estragadas dos funcionários do Maracanã e discursa sobre as desapropriações em comunidades para a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016. Romário é cria da comunidade do Jacarezinho, no Rio, e parece lembrar das dificuldades que passou na infância. Genial como sempre foi dentro dos gramados, o eterno camisa 11 da Seleção Brasileira mostra que a tarefa de servir a pátria lhe cai mesmo muito bem. E entre os boleiros do Congresso, destaca-se na luta por fugir da pasmaceira e dar a cara à tapa. É, sem dúvidas, um fora de série também extracampo.