Não ignorem Suárez
Não há dúvidas de que Luis Suárez merecia ser punido pela mordida em Chiellini. Mas em um futebol cada vez mais repleto de enfadonhos mapas de calor e inúmeras e frias estatísticas, a história do atacante nos passa bem diante dos olhos e parece ser ignorada. O uruguaio tem um problema. E precisa diagnosticá-lo, amenizá-lo. Do contrário, Suárez voltará a morder. Voltará a cumprir penas. E ficará preso em si mesmo, num círculo vicioso como se fosse um animal encarcerado.
Não, Suárez não é um animal, embora sua atitude em campo - morder um adversário - seja dotada de instintos primitivos. Suárez, de certa forma, os carrega para dentro de campo. E certamente há um gatilho em seu cérebro que o faz confundir gana e provocação com agressão. Um instinto quase primário do ser humano. Quem, afinal, nunca viu um bebê irritadiço com a mãe mordê-la no ombro ou na mão? Suárez, certamente, não morde de maneira premeditada. Não faz por desejar. Há um problema. Quase uma disfunção que o leva a escolher a mordida em vez de um soco e uma cotovelada ao ser instigado, atacado. A justificativa pode estar no fato de ter crescido em bairros pobres e violentos de Montevidéu. Em um episódio marcante de sua vida. Só ele mesmo conseguiria achá-la.
Na eterna mania de escolha entre heróis e vilões, o uruguaio viveu os dois lados. Desde 2010, ao defender de forma passional, com as mãos, a bola que decretaria a eliminação uruguaia diante de Gana em Joanesburgo. Foi aos prantos com erro e, com a bola na trave de Asamoah Gyan, deu pulos de alegria. É intenso. Foi bestial ao se recuperar de uma lesão em um mês e garantir com dois gols, cheios de fúria, sobre a Inglaterra a sobrevida uruguaia. Foi besta ao morder Chiellini e tirar grande parte da confiança do próprio país na nova Copa no Brasil. Foi punido duramente. Até além da conta, aquém da função de mostrá-lo o limite existente para tudo. Até para as pelejas nas canchas do fútbol.
A dura sanção imposta pela Fifa, de nove jogos e quatro meses ausente dos gramados, é para lá de severa. E, no fundo, não resolve o problema. Apenas dá justificativa a uma enfurecida parte das opiniões pública e especializada que elegem Suárez como o vilão que merece ser punido. Castigado. Adjetivado. Mau-caráter. Marginal. Oras, menos. Ao cravar os dentes no ombro de um adversário pela terceira vez, agora em plena Copa do Mundo, o atacante, num rompante, agrediu a si mesmo. Arranhou a imagem. Mostrou sua fragilidade. E pede ajuda, diante de todos. Que Suárez não seja, de novo, ignorado.
Foto: Fifa.com