20 de novembro de 2011


A reinvenção tricolor

No balé da bola, de pé em pé, o canto da arquibancada parece ganhar um eco uníssono entre os 11 jogadores que entram em campo. Não há dúvidas de que vestem o manto e têm orgulho de ser tricolor. O Fluminense, de novo, se reinventou. É especialidade da casa de uns tempos para cá. Adicione um pouco de dificuldade, dê duas pitadas de pressão, acrescente três colheres de impossível. Leve superstição a gosto. Pronto. Está pronta a fórmula para mais uma reinvenção tricolor. De jogo em jogo, a cada capítulo decisivo, o Fluminense fascina e domina. Com sorriso de orelha a orelha, o tricolor avisa para quem quiser ouvir: sim, eles se reinventaram de novo.

Porque difícil seria acreditar que depois de um primeiro semestre tão tristonho após o êxtase do título brasileiro, o time teria forças para se reerguer depois de pancadas. O início no Brasileiro foi ruim, verdade. Mas, hoje, quem é tricolor nunca duvida que dê para aprontar alguma coisa. Da arquibancada, o sujeito vestido com as três cores olha para o campo e não considera perdido um jogo que seja. Nem que o Grêmio, por acaso, tenha virado o placar em minutos. Cada tricolor tem certeza ali no ritual particular da arquibancada de que a virada está chegando. E ela vem. Pouco importa também que do outro lado está o menino prodígio Neymar. Nem mesmo ele parece ser páreo para mais uma reinvenção tricolor. O gosto da superação é diferente e arranca sorriso com um gol de Márcio Rosário aos 50 minutos. Coisa que só tricolor acredita. Só ele sente.

Com uma vitória suada aqui, outra de goleada ali, o sentimento de que é possível superar qualquer adversidade está diretamente ligada ao espírito tricolor. É na cara angustiada de Abel no banco de reservas. Nos gols primorosos de Fred. Nos petardos de Rafael Sobis. Nos passes geniais de Deco. Todos inventores tricolores. Deixaram marca indelével de uma geração que se recusa a acreditar que tudo acabou. Porque nunca, mesmo, acabou. Porque a cada campeonato, a cada ano, o Fluminense aprende a se reinventar. Dá aula de dignidade em um mundo da bola cada vez mais indigno. De ponto em ponto, de vitória em vitória, o Tricolor sempre se reinventa. É possível. E lá está o Fluminense de novo na Libertadores, com antecedência. O título, é verdade, está apenas em um risquinho de esperança. Mas e daí? Está talhado para, quem sabe, mais uma incrível reinvenção tricolor.

O Flamengo que não é Flamengo

O sonho dourado de o Bonde passar por cima de todos em 2011 com o sorriso do craque dentuço no comando foi por água abaixo. Achar um só culpado é bobagem. O Flamengo, do alto de seu pedestal, tem de olhar para si. É grande, mas deixou de ser grandioso e se fazer respeitado de verdade há tempos, com a rara exceção de 2009. Perde-se, sempre, em meio à bagunça que atola a Gávea e seu frenesí político e à incoerência que hoje invade o Ninho do Urubu. A culpa é de todos. Vai desde Vanderlei Luxemburgo, responsável por treinar o time e gerenciar o futebol, até o mais simples reserva. A torcida, embriagada pela frase "Flamengo é Flamengo" proferida pelo craque da camisa 10, também se empolgou. Acreditou que era simples. No embalo, na camisa e na raça, o time conquistaria tudo que viesse pela frente, sem receios. Não é assim.

Enquanto o Bonde deu certo, com sorrisos, gols no Carioca e trem embalando as comemorações, a diretoria esteve presente. Sorriu. Posou para fotos. Tudo às mil maravilhas. Mas o craque começou a frequentar a noite, o rendimento em campo caiu. O teórico comando do futebol desapareceu. O treinador chamou para si briga com a imprensa e deu destaque exarcebado a situações contornáveis. Em campo, procurou bancar o que tinha em mãos. Deu urros por André enquanto Borges passava à porta. Ignorou Adriano e só ameaçou contratar Love. O preço veio em um time experiente, mas que passou a não ter mais pernas com o andar da temporada. Em dez jogos, quase um terço do campeonato, o Flamengo não venceu. E tudo se manteve estático. Parecia normal. Apenas parecia. Do alto de seu pedestal, o Flamengo olhou para o espelho e garantiu ser impossível um gigante de tal natureza ficar fora da briga pelo título. Com os craques que tinha. Com a força da torcida. Naturalmente estaria na briga até o fim, no mínimo. Não está.

Graças à cultura da bola, a culpa na maior parte das vezes cai em cima do treinador. Não deveria. Luxemburgo tem grande parcela, principalmente por assumir a gestão do futebol, mas, ao pé da letra, não entra em campo. Difícil entender a falta de gana dos jogadores rubro-negros para ser campeão. Vontade não faltou. Mas aquele espírito de querer beijar a taça no fim do ano, ver a carreira valorizada. Não há. Reconquistado a duras penas no fim de 2009, perdeu-se em meio ao turbilhão de 2010 e não mais voltou. A notícia flatulenta de um treino vaza sem propósito, o volante falta ao treino, é afastado e reintegrado. No vaivém de indecisões, o time afundou e o clima pesou. A vaga na Libertadores corre grande perigo e compromete já 2012. O ambiente sugere uma reformulação geral no departamento de futebol e é difícil não concordar. Algo deve ser feito. Porque apesar dos craques milionários, da folha polpuda e da pose, 2011 trouxe uma certeza que deve servir para reflexão: este Flamengo não é Flamengo.

17 de novembro de 2011


Caio Júnior chamou para si

Dia 5 de novembro. Após derrota inesperada para o Figueirense no Engenhão e uma chuva de críticas da torcida, Caio Júnior se posta em frente ao microfone na sala de imprensa do estádio. Abatido, mas, no fundo, insatisfeito com as críticas que sofrera. Após a tradicional chuva de estatísticas sobre a partida, o treinador não se contém e desabafa. Critica a torcida e até o clube pelos 16 anos sem um título brasileiro e atribui parte da derrota a essa ansiedade pelo fim do jejum. Pronto. Caio Júnior chamara ali, naquele instante, a sua demissão do cargo de técnico alvinegro. Mais uma vez, o treinador falha em um grande time brasileiro. Indigesta rotina.

Seria, sim, mais decente ao Botafogo demitir o técnico apenas após o fim das 38 rodadas. Mas Caio Júnior chamou para si. Inventou escalações, bateu de frente com a torcida em troca de suposições que claramente seriam erradas. Rotulado pelas passagens fracassadas em Palmeiras e Flamengo, voltou do futebol japonês com sorriso no rosto, barba grisalha e ar de quem estava mais maduro para comandar um time ao triunfo. Não está. Perdeu-se novamente em meio a velhos fantasmas em momentos decisivos. Inquieto, passa incerteza ao time e à torcida com a falta de coerência nas escalações partida após partida. Mas o erro fatal, mesmo, foi ter atirado contra os torcedores e aberto a ferida de um jejum brasileiro.

Em que pese o fator de um ano político para a rápida decisão da diretoria alvinegra, Caio Júnior não pode reclamar do que teve no Botafogo. Contou desde o início com o carinho da torcida mesmo sob os olhares de desconfiança dos rivais e da crítica. Ganhou um elenco muito superior ao que Joel Santana teve em 2010. Por tudo isso, o Botafogo esperava muito mais do treinador. Esperava, sim, o título e no mínimo a vaga na Libertadores. Tudo está ameaçado e, em grande parte, devido às constantes dúvidas do técnico com as suas assombrações. Sim, a demissão a três rodadas do fim do Brasileiro foi surpreendente e talvez até precipitada. Mas a torcida do Botafogo merecia mais. O elenco alvinegro podia mais. Caio Júnior não compreendeu isso e preferiu abrir a ferida e escorar-se em jejum e ansiedade dos torcedores. Como quem diz, a culpa é deles, não minha. Convenhamos: no fundo, Caio Júnior chamou a demissão para si.

10 de novembro de 2011


O Vasco que contagia

Impossível não se deixar contagiar pelo pulsar de um caldeirão em ebulição com sentimentos guardados há uma década. Mas extravasaram. A cada dia os vascaínos parecem querer mais. Um sentimento como o visto na classificação diante do Universitário não se forja assim, sem mais nem menos. Comunhão rara, de jogadores e torcida, capaz de comover até o mais descrente cruzmaltino. A olhos vistos. Não foram poucos os vascaínos na arquibancada, no bar ou em casa que subiram junto de Dedé e esticaram o pescoço para cabecear a bola rumo ao gol adversário. Êxtase puro. Futebol em sua essência. Aula de honra. Um Vasco que dá gosto.

O atual elenco honra como poucos as raízes do clube. Inverte pensatas estabelecidas na base do suor, da garra. Quem disse que a Sul-Americana não vale nada? Dedé, o Mito, o faz repensar ao pular e cantar ao lado da arquibancada depois da classificação. Juninho, o Reizinho, se joga no chão como um garoto para tentar cruzar a bola e se emociona como na Virada do Século contra o Palmeiras. Impossível não se contagiar com este Vasco. Retrata ao pé da letra que é vida, é história, é primeiro amigo. Faz desconhecidos se abraçarem na arquibancada. Um buzinaço correr pelas ruas. Homem feito chorar como o mais puro dos meninos no gol de Alecsandro. Provoca uma torcida inconsciente até no rival que acompanhava o jogo simplesmente para secar. Impossível não se contagiar com essa atmosfera vascaína.

Em tempos de futebol de resultados, da relação fria com clubes, o renovado Vasco demonstra como é possível jogar por valor à camisa. Um sentimento que não para. Contra o Universitario, o caldeirão vascaíno pulsou como nos velhos tempos. Foi o time da virada. O time do amor. E que amor. A goleada sobre os peruanos foi um dos momentos em que tudo se justifica. A paixão que não para. Os jogos sob chuva. Sob sol infernal. As alegrias. As tristezas. Foi o futebol mais puro, provando o porquê de ser tão apaixonante. Uma festa linda, um sentimento inesquecível. De arrepiar. Um Gigante pela própria natureza. Por resgatar tudo isso em meio a lágrimas, urros de alegria e orgulho de, simplesmente, levar a cruz-de-malta no peito desde que nasceu. É, não há mesmo como não dizer: é impossível não se contagiar por esse Vasco.

8 de novembro de 2011


A Copa das cotas

O cidadão comum brasileiro já se recosta no sofá. Tristonho, suspira ao imaginar os jogos da Copa do Mundo de 2014 no Brasil. Logo ele, torcedor de carteirinha, que frequenta Maracanã, Morumbi ou Olímpico desde moleque e contava as horas para assistir no seu quintal aos maiores craques do planeta tem grande chance de ficar fora da festa. Sozinho, ele observa o noticiário na televisão e fica ainda mais deprimido. Afinal, não é mais estudante, ainda não é idoso, não é estrangeiro, também não tem amigos políticos e muitos menos é índio. Está fora das cotas de ingressos para a Copa do Mundo. Está privado de um direito que deveria ser seu. Sempre foi. O simples prazer do brasileiro de frequentar um estádio de futebol.

Dotados de sorrisos cínicos, os caciques da Copa brasileira decidiram fatiar o torneio a bel-prazer. Caso você se enquadre no perfil estipulado por donas Fifa e CBF talvez tenha chance de sentar em uma arquibancada de um estádio novíssimo, construído com o dinheiro que você próprio sua para receber todo mês e depois contribuir para os polpudos cofres do Estado. Um acinte. O cidadão comum brasileiro tem tantos direitos quanto um índio. A cota não se justifica. Apoia-se na muleta do populismo governista em troca de boas palavras, manifestações positivas de ONG´s pró comunidades indígenas. Pratica-se, mais uma vez, o nefasto jeitinho brasileiro. Ingresso para índio assistir à Copa tem. Combate ao desmatamento em reservas indígenas, não.

A Copa do Mundo em território brasileiro após 64 anos deveria ser uma grande celebração do futebol no país que respira o esporte. Pelo que se desenha, não será. Fatia-se os ingressos em inúmeras cotas, premia-se os estrangeiros, facilita-se elites e faz-se populismo com quem não deveria ser exposto a tal façanha, os índios. O velho e bom torcedor, apaixonado pelo seu time, que vai ao Maracanã de chinelo de dedo, gasta seu domingo debaixo de um sol escaldante só para apoiar o time, ao que parece, não será convidado. Em um país marcado por diferenças sociais gritantes, estimular a desigualdade em um sistema surrado de cotas para ingressos em jogos de futebol extrapola qualquer limite do bom senso. Triste Copa das cotas.

6 de novembro de 2011


A honra de Deivid

Difícil acreditar que o camisa 9 do Flamengo recebe bordoadas de todos os lados desde que chegou à Gávea. Deivid não demonstra mágoa. Não faz gestos obscenos, não falta a treinos, não passa dias e dias lesionado no departamento médico. Está em todas. Vá lá que 2010 não tenha sido muito efetivo. Em vez daquele veloz atacante dos tempos de Santos e Cruzeiro, o que vestiu a camisa 99 na Gávea estava lento, pesado e foi comparado a atacantes pavoroso. Foi comparado a atacantes pavorosos que já passaram pelo futebol brasileiro. Virou vítima de piada de programa de tv e recusou vestir a camisa e atestar a gracinha. Mas Deivid tem honra.

Porque o atual camisa 9 do Flamengo não explodiu diantes de nenhuma das provocações e há quase um ano não recebe seus direitos de imagem, a parte mais polpuda dos salários de muitos jogadores. Quieto, Deivid assistiu à torcida pedir Wanderley ou Jael em inúmeros jogos, vaiá-lo em outros, fazer campanha por Adriano e Vagner Love e a diretoria buscar incansavelmente por André. Nada resolveu e Deivid permaneceu no time a maior parte do tempo, sempre bancado por Vanderlei Luxemburgo. De gol em gol, ele foi diminuindo a fúria da torcida, mas nunca deixou de ser alvo de chacotas. Ainda é até hoje. Diante do Cruzeiro, mais uma vez foi fundamental para o Flamengo no Brasileiro. Fez dois gols e chegou a 15 gols em todo o campeonato. Não é mesmo pouco.

Em 2009, Adriano foi artilheiro com 19 gols e marcou alguns de pênalti. Deivid fez todos com a bola rolando, a maioria com um só toque na bola. De atacante veloz dos tempos de Corinthians, Cruzeiro e Santos, demorou até entender que seu corpo não aguenta mais tanta velocidade aos 31 anos. Mudou o estilo. É o atacante de um toque só. Não é nada, não é nada e o camisa 9 já é o vice-artilheiro do Campeonato Brasileiro. Artilheiro do time que tem o melhor ataque da competição. Fez 15 dos 57 gols do Flamengo. Ou 26%. Não é pouco e não há como não ter méritos. Com salário atrasado, achincalhado pela torcida, Deivid nunca levantou a voz, fez gestos ou veio a público reclamar de seu salário atrasado. Pelo contrário. Por vezes exaltou que realiza um sonho ao jogar no Flamengo, seu clube do coração. Deivid não é o maior atacante que o clube já teve. Nunca será. Tem limitações e hoje parecer saber disso. Mas tem couraça forte. Aguenta pancadas, chacotas e salário atrasado. Ainda assim treina, joga e já fez 15 gols no Brasileiro. Sujeito honrado este Deivid. Não é mesmo pouco.

4 de novembro de 2011


O perigoso caminho trilhado por Dinamite

Roberto Dinamite assumiu a presidência do Vasco em meados de 2008. O sorriso simpático, o status de grande ídolo cruzmaltino mudaram a aparência do clube. Mas Roberto queria mais. Logo no primeiro clássico contra o arquirrival Flamengo, sugeriu a Marcio Braga, então presidente rubro-negro, que sentassem juntos para assistir ao primeiro Clássico dos Milhões de sua gestão no Maracanã. Unidos, lado a lado, sem ofensas ou provocações. O mandatário vascaíno argumentou que o gesto simbolizaria não só a paz entre os rivais, mas o início de uma união no futebol carioca. Marcio Braga aceitou a bela sugestão. De lá para cá, não é preciso dizer que os clubes do Rio ressurgiram no cenário nacional com força. Basta observar as campanhas e os títulos. Mas Dinamite, quem diria, parece estar tentado a trilhar outro caminho. Passou a olhar para si e esqueceu, sem mais nem menos, a união pregada em 2008 ao tratar dos clássicos em São Januário.

Que o Vasco tem todo direito de querer jogar em seu belo estádio, ninguém duvida. A maneira como o processo vem sendo conduzido nos últimos dias, no entanto, traz ares euriquistas de volta à Colina. Afinal, o combinado não sai caro. No primeiro turno, com mando de campo de Botafogo e Flamengo, o Vasco jogou no Engenhão. Era a tal união do futebol carioca. Clássicos em um grande estádio, com divisões igualitárias de renda e carga de ingressos para cada clube. Mas o Trem Bala da Colina disparou no Brasileiro. Disputa cabeça a cabeça o campeonato com o Corinthians. O olho vascaíno cresceu. Faz que não lembra o acordo, ignora a palavra dada lá atrás e busca jogar em seu estádio de qualquer maneira. Euriquismo puro. E a torcida, alheia a qualquer tipo de razão, leva faixas e pede os jogos em São Januário. Cenário triste.

Roberto Dinamite deve lembrar que foi eleito justamente para promover novos tempos no Vasco, clube democrático e sensato em suas raízes. O presidente acertou mais do que errou, fez o clube ressurgir de um marasmo cinzento e deu adeus a atitudes truculentas de tempos euriquistas. Ignorar este passado e esquecer o compromisso firmado vai contra o antigo desejo de união pregado logo que a gestão Dinamite chegou ao clube. Não é hora de dar razão a chororôs descabidos de que o Vasco é vítima do preconceito por desejar jogar em seu estádio. Não é. A razão tão bem utilizada por Dinamite ao sentar ao lado de Marcio Braga em um Clássico dos Milhões em 2008 deve servir agora para admitir que, em 2011, há um compromisso firmado. Maurício Assumpção, presidente do Botafogo, lembrou bem ao presidente vascaíno: em relações com pessoas como Roberto, a palavra deve valer mais do que qualquer assinatura. Que assim seja. E em 2012 o Vasco decida ter o apoio da Polícia Militar para mandar seus clássicos em São Januário e seguir no caminho da união do futebol carioca. Afinal, o outro caminho trilhado agora por Dinamite é perigoso. Bobagem maior é seguir em frente nele.