29 de janeiro de 2017

No baile tricolor, o choque entre passado e futuro

O primeiro clássico carioca de 2017 colocou frente a frente ideias distintas de futebol e apresentou claramente um confronto entre passado e futuro. Choque de pensamentos até em modelos de gestão e que refletiu em um baile do Fluminense nos 3 a 0 sobre o Vasco, no Estádio Nilton Santos, o Engenhão, neste domingo. 

De cara, o Vasco contava em sua escalação inicial com seis titulares acima dos 30 anos. É, desde o final melancólico na Série B de 2016, um time agarrado ao passado que carece de renovação, tanto em ideias quanto em fôlego. Pela frente, encontrou um Fluminense que também terminou 2016 de forma melancólica, mas se propôs a olhar para o futuro. De seus 11 titulares, apenas dois, o goleiro Cavalieri e o zagueiro Henrique, tinham mais de 30 anos. 

Abel Braga teve pouco mais de 20 dias desde a reapresentação do elenco até o início do Campeonato Carioca. E parece ter aproveitado ao máximo o tempo e os reforços. O trio ofensivo formado atrás de Henrique Dourado proporcionou momentos de calafrios à estrutura defensiva vascaína e mostrou entrosamento. Wellington pela esquerda, Sornoza pelo meio e Gustavo Scarpa pela direita era apenas uma ideia inicial, no papel. Na prática, os três jovens alternaram posições, trocaram passes, ocupavam espaços e aproveitaram os lados de um estático Vasco para avançar. Deu problema. 

Tudo porque Cristóvão Borges parece ainda agarrado às ideias que o fizeram colecionar insucessos em Flamengo e Corinthians, por exemplo. Marcação adiantada, buscando troca de passes para infiltrar ou acionar Escudero e Eder Luis pelos lados. Não funcionava. Bastava uma bola perdida para o Fluminense arrancar em contra-ataque e visitar Cavalieri com um tapete estendido de espaços. Por duas vezes, a bola cruzou a área vascaína, mas não encontrou alguém para colocá-la na rede.  

O Vasco continuava quase parado e lento demais para encaixar a defesa. Presa fácil. Assustar, mesmo, apenas em bola parada. Luan carimbou a trave de Cavalieri em escanteio cobrado por Nenê. Era pouco. Porque do outro lado o Fluminense combatia com os volantes Douglas e Orejuela, adiantava os laterais Léo e Lucas e tinha Sornoza. Contratação deste ano, o equatoriano mostrou a credencial para a torcida tricolor. Um lançamento que superou facilmente Rodrigo pelo alto. A bola mergulhou na área e Henrique Dourado, inteligente, tocou de calcanhar para o meio. Douglas dividiu com Martín Silva e Wellington, livre, chapou o rebote para o gol, deixando desolados e tontos Rodrigo e Luan. 1 a 0.

Os vascaínos, então, se perderam completamente. Cada ataque tricolor, veloz, de pé em pé, com bolas esticadas para aceleração do onipresente Scarpa, em tarde soberba, ou Wellington causava desespero a um Vasco que batia cabeça e cedia cada vez mais espaços. Tanto que Sornoza, fácil, dominou bola na entrada da área, driblou Andrezinho, passou por Henrique e rolou para Henrique Dourado, sozinho no meio, apenas escorar. 2 a 0. Um time do presente, organizado, veloz e com muita mobilidade, dominava sobre outro do passado, lento, que cedia campo e sem inspiração e pernas para acompanhar o ritmo do rival.

No segundo tempo, Cristóvão tentou corrigir e tirou Escudero e Eder Luis, superados facilmente pelas pontas e sem força efetiva no ataque. Colocou Guilherme Costa para povoar um meio de campo que era só tricolor e Ederson para acompanhar um inoperante Thalles no ataque. Deu falsa impressão de melhora quando o camisa 9 vascaíno perdeu chance clara na risca da pequena área, batendo por cima de Cavalieri e depois com Madson, que entrou na área e finalizou em cima do goleiro. Na prática, o Vasco marcava um pouco melhor, combatia Sornoza mais de perto, mas continuava adiantado, exposto aos contra-ataques velozes. Num deles, Scarpa entrou na área livre, cortou para o meio e só não ampliou porque finalizou mal, no corpo de Martín Silva. 

Com o ritmo intenso, Abel entendeu que lhe faltavam pernas para que o time continuasse a cumprir a intensa troca de posições com velocidade para confundir os vascaínos. Tirou Sornoza e pôs Luiz Fernando, volante, para equilibrar o meio de campo. Mais à frente, sacou Wellington e colocou Marcos Júnior. Com cinco minutos, matou o jogo. Claro, num contra-ataque de manual. Luan, zagueiro vascaíno, foi desarmado no ataque rival. Douglas recebeu a bola e lançou Marcos Junior pela esquerda. Diante de um solitário Andrezinho, ele rolou para Scarpa, que atropelava pela direita. Era muito espaço. Com calma, inverteram posições. O camisa 10 levou a bola para esquerda e rolou para Marcos Junior, já na área, pela direita. Com um toque suave, por cima de Martín Silva, ele deu números finais ao clássico. 3 a 0. 

Um novo choque de realidade para o Vasco. Cristóvão deve repensar o time tão adiantado e formado, em sua maioria, por jogadores já veteranos. Mesmo à espera de Wagner e sonhando com Luís Fabiano, o time deve rejuvenescer para acompanhar o ritmo atual do futebol. E talvez ter a humildade de fechar a casinha diante das limitações. Abel já entendeu. Escalou jovens velozes e inteligentes, prezando pela troca de posições e uma defesa encaixada. Todos sabem para onde correr no Fluminense. Neste domingo foram para o abraço. Que baile. 

28 de janeiro de 2017

Na goleada rubro-negra, indícios de um Zé Ricardo livre

Os olhares de desconfiança já pairavam sobre Zé Ricardo com as derrotas em amistosos para Vila Nova e Serra Macaense. Mas diz o chavão que treino é treino, jogo é jogo. E é mesmo. A goleada de 4 a 1 sobre o Boavista, em Natal, pelo Campeonato Carioca, na estreia oficial da temporada, trouxe alívio e promessa de ideias interessantes para o restante da temporada. O técnico do Flamengo está mais solto. Sim, solto. 

Quando assumiu em 2016, Zé Ricardo deveria empilhar resultados para garantir sua permanência no cargo. Com a primeira etapa cumprida, agarrou-se a um esquema para manter o time no ritmo de competitividade que o permitia sonhar com o título brasileiro. Em 2017, a pedra está zerada. O técnico se sente mais livre para arriscar e tentar pôr em prática ideias que provavelmente já acumulava na última temporada. À primeira vista, o time lançado a campo neste sábado era um Flamengo no velho 4-2-3-1 dos pontinhas, com Everton de um lado e Mancuello do outro. O camisa 22 passou mal e deu lugar a Adryan antes do apito inicial. Imprevisto que atrapalhou.  

Longe de ter o vigor de Everton para ajudar na marcação pelo lado esquerdo, o meia-atacante prata da casa desequilibrou a balança do time na primeira etapa. Trauco, agudo, lançou-se ao ataque, mas teve de tomar cuidado com as bolas às suas costas. Por ali o Boavista atacava, rápido, com Erick Flores e Maicon. Assim, o lateral peruano ficou pelo meio do caminho no primeiro tempo. E o time parecia desentrosado, sem saber como se movimentar. A dupla de volantes, nova, Rômulo e William Arão, ainda se entendia quanto a quem deveria cobrir o avanço de quem. Natural para o início de temporada. Na direita, Mancuello, quando muito ao extremo do campo, tinha dificuldades. Mas claramente tinha a indicação de buscar o jogo pelo meio por um passe ou arremate, por vezes infiltrando na área. Mas na maioria das vezes tentava passe longo. Tinha espaço, mas não velocidade para aproveitar o espaço pelo lado. Não encaixava. 

Talvez por isso o gol do Flamengo veio do meio do caminho. Trauco, de longe, olhou para a área e enxergou Guerrero pronto para subir sozinho de cabeça no meio dos defensores do Boavista. 1 a 0, com ajuda do goleiro Felipe. Senhor cruzamento. Nem assim o jogo rubro-negro fluiu melhor. Pelo contrário. Ainda continuava exposto a contra-ataques. Arão errava passes, Diego voltava para tentar buscar a bola. Era confuso. Nessa, o time de Joel aproveitou para empatar antes do intervalo, em belo cruzamento de Pedro Botelho para Mosquito, nas costas de Trauco. 1 a 1. 

Com o resultado ruim, Zé Ricardo tirou o Flamengo do gesso do 4-2-3-1 do primeiro tempo. Maior movimentação, mais troca de passes, como no início da partida com o Vila Nova. Surtiu efeito diante de um time tão espaçado quanto o Boavista, claro. Justamente com uma característica responsável pelos melhores momentos do time de Zé Ricardo em 2016: a troca de passes rápidos. Trauco avançou pelo meio, rolou para Guerrero, que passou de primeira para Mancuello. O argentino, posicionado por dentro, longe da ponta, apenas rolou com um toque açucarado para o próprio Trauco, como atacante, ultrapassar pelas costas de Antonio Carlos e tocar para o fundo da rede. Golaço de um time mais solto e consciente. 

Logo em seguida, Adryan deixou o campo após uma pancada no tornozelo. Zé Ricardo, então, se libertou. Jogou Mancuello para o lado esquerdo e colocou Rodinei, lateral de ofício, à frente de Pará. Com explosão, o camisa 2 aproveitou o espaço com a velocidade. Não tardou a chegar sozinho, olhar para a área e enxergar Guerrero livre para marcar mais um de cabeça. 3 a 1. Boavista entregue. Flamengo relaxado, como Zé Ricardo. Uma equipe que passou a encaixar passes, de pé em pé, girando o jogo, trabalhando triangulações pelos lados. Rodinei fez o que se esperava de Cirino e o que se espera de Berrío. Velocidade, explosão. Apareceu na cara de Felipe pelo lado direito, mas bateu em cima do goleiro.

A goleada foi fechada em mais um belo lance. Rebote depois de tentativa de finalização de Guerrero, Trauco, inspirado, rápido o bastante para achar Diego no meio da área. Frio, o camisa 35 deu um corte em Antonio Carlos e colocou de chapa no fundo da rede de Felipe. 4 a 1. Início com vitória e um Zé Ricardo à vontade para testar ideias. Mancuello pela direira ensaiando entradas na área e passes pelo meio, vislumbrando Conca no futuro. Aproveitar a explosão de Rodinei além da lateral. Rômulo posto à prova. Berrío está a caminho. Zé Ricardo, livre, parece pronto para ser inventivo e buscar soluções. Vale acompanhar.  

6 de janeiro de 2017


Estruturado, Flamengo busca o equilíbrio para alçar o prometido voo 

Talvez um dos grandes passos em falso da gestão Bandeira de Mello no Flamengo tenha sido indicar um ano mágico aos torcedores. Fosse em papo com dirigentes, em conversas nos corredores da Gávea ou troca de informações com conselheiros, 2015 era apontado como um ano em que o clube, provavelmente, estaria hegemônico no campo esportivo do futebol brasileiro. Por outras vezes, a tarefa passou para 2016. Em seguida, ao recém-nascido 2017. Convenhamos, apontar ano mágico ou dourado é tarefa impossível em um futebol que vai além das planilhas. Fato é que o Flamengo chegou em 2017 renovado e estruturado fora de campo. Falta alinhar os botões e aprender com os erros no futebol para fazer a engrenagem decolar. 

A mudança de patamar do Flamengo recebido por Bandeira de Mello no fim de 2012 de Patricia Amorim salta aos olhos. O clube que só fazia aumentar a dívida e temia um monstro de R$ 750 milhões vislumbra, enfim, o equilíbrio de um para um entre déficit e receita, ambos na casa dos R$ 430 milhões. Uma dívida ainda alta, mas equacionada e em queda constante. Algo inimaginável há alguns anos. Os atrasos salariais deixaram de ser manchete e dívidas milionárias históricas, com Romário e Ronaldinho, foram quitadas. Se antes o Flamengo chegou a enfrentar um ano sem patrocinador master, agora anuncia acordo de R$ 200 milhões pelos próximos seis anos com a empresa tailandesa de energéticos Carabao. A marca Flamengo foi revitalizada e a receita subiu. A ponto de permitir ao clube comprar brigas políticas grandes, como o não acordo, até o momento, de televisionamento dos jogos da equipe no Campeonato Carioca, gerido pela Ferj. R$ 15 milhões que deixam de entrar no bolso. Mas o Flamengo, garante, pode se dar a este luxo.  

Entre os inúmeros acertos, Bandeira e seus pares pecaram no desenvolvimento do futebol. Talvez por falta de conhecimento do meio em alguns momentos, talvez por falta de verba em tanto outros. Mas neste 2017 o Flamengo entra diferente. O centro de treinamento do clube, enfim, é moderno. A estrutura é básica para qualquer grande instituição do futebol, mas o Ninho do Urubu concluído e à disposição dos profissionais é um marco. As imagens de instalações abandonadas, poças em dias de chuva, lama, condição precária passarão a figurar no passado. Impacta não apenas na imagem do clube no mercado para captar receitas, mas, também, entre os profissionais de futebol. Queixas sobre o CT eram veladas, mas constantes entre jogadores e membros da comissão técnica. Tendem, portanto, a sumir. O clube injetou verba de R$ 15 milhões e seduziu Conca e seu clube chinês com o oferecimento da estrutura. Mais um degrau para subir de patamar.  

Na tentativa de equilibrar o lado financeiro e deixar a máquina rubro-negra em plena atividade, a diretoria errou a mão ao permitir ao elenco ser itinerante em 2016. O desgaste chegou no fim do ano, reduziu as chances de briga com o Palmeiras pelo título brasileiro e o aprendizado parece assimilado. Mesmo sem o Maracanã garantido, acordo e investimento previsto de R$ 12 milhões para tornar o Estádio Luso-Brasileiro, na Ilha do Governador, na sua casa, concretizados. O elenco terá menos viagens e desgaste pela frente. Estruturado, o Flamengo tem orçamento em 2017 previsto em R$ 435 milhões. Fruto de um trabalho iniciado em 2012 e que torna o clube sólido para alçar voos altos nos próximos anos. É hoje um clube que firma sua base, cresce de acordo com seu enorme potencial, sem fórmulas mágicas ou almas caridosas. A tendência é crescer o investimento no futebol no futuro. Mas, atualmente, o Flamengo investe cerca de 60% de sua receita no futebol, abaixo dos grandes clubes brasileiros em geral. Mas há o porém. A dívida, ainda que equacionada, freia investimentos altos em direitos econômicos de atletas. 

Aí pode ser que more, por enquanto, o maior desafio. Ainda que tenha formado um elenco robusto, com investimentos salariais altos em busca de retorno técnico como Diego e Guerrero, o elenco carece de reforços, como provado em 2016. Equilibrar a balança do financeiro com o lado técnico do time será tarefa dura, mas necessária. Rômulo está próximo de reforçar o meio e dar ao menos alternativa a Márcio Araújo. Conca será opção. Mas Zé Ricardo precisa de atacantes velozes e técnicos para as extremidades do campo. Marinho voa rumo ao paraíso chinês. Cabe ao clube achar a solução para os pontas e não repetir o erro de 2016 com a zaga, setor claramente debilitado e reforçado apenas no meio da temporada. Com receita robusta, patrocínios encaminhados, CT concluído e estádio garantido no Rio, o Flamengo anuncia para 2017 uma estruturação inédita em anos no clube. Resta o equilíbrio com o elenco de futebol para alçar o sonhado voo.