24 de maio de 2012



Contrato é contrato

Assis não dá ponto sem nó. Enquanto fui repórter do LANCE!, por algumas vezes tive a oportunidade de conversar com o empresário, fosse na cobertura do Flamengo, Seleção Brasileira ou sobre constantes boatos de uma possível volta de Ronaldinho Gaúcho ao Brasil. O tom, por vezes, é cordial, quase na amizade. Mas pode mudar conforme o dia ou andamento da conversa. Em dezembro de 2010, tão logo soube da nova investida do Flamengo no craque dentuço, com o suporte da Traffic, liguei para o irmão do camisa 10 para buscar a confirmação. A recepção foi boa, mas o cuidado com qualquer confirmação sobre a negociação foi calculado milimetricamente. Assis demonstrou ter duas premissas. A primeira, não arranhar a imagem de um homem que honra contratos. A segunda, tão importante quanto, garantir o retorno financeiro, sem sobressaltos, o que aumentava a importância da participação da Traffic na empreitada. A filosofia dos Assis, depois eternizada por Ronaldinho ao  mencionar o Flamengo na coletiva do Copacabana Palace, foi ouvida por mim ao telefone:

- Amigo, o Ronaldo tem contrato com o Milan. Contrato é contrato. E o Ronaldo sempre os cumpre.

Achei engraçada a frase, lembrei-me do imbróglio com o Grêmio e sua saída conturbada para a França. Mas o pensamento europeu estava estabelecido em Assis. Já no início da madrugada seguinte, a reportagem, confirmada com tantas outras fontes, com o interesse do Flamengo e o suporte essencial da Traffic, foi publicada no site. E Ronaldinho chegou à Gávea em festa pomposa. Diante do carnaval promovido pelo empresário na loja oficial do clube, relatada em excelente e saborosa matéria do site Globoesporte.com, foi perceptível a estratégia de Assis e a sua preocupação em manter o irmão como um cumpridor de contratos, ainda que a situação já esteja à beira do caos. 

Ao entrar de sobressalto na Fla Concept, pegar camisas e outros produtos e lembrar os funcionários que iria levar tudo pelo simples fato de o Flamengo não pagar Ronaldinho, Assis quis expor o clube ao ridículo e indicar que a continuidade não é mais possível. Um pedido de saída. O ônus da rescisão, no entanto, os irmãos não desejam levar na mala. Protagonizar tal episódio serviu para chocar e aborrecer os corredores da Gávea, aumentar a pressão sobre a presidente Patricia Amorim pela saída do jogador. Caso R10 seja dispensado devido a esse episódio lamentável, Assis propagará no mercado a fama de que sempre cumpriu os contratos que assinou. O desejo de saída, no entanto, não é mais tão velado. Parece mais uma súplica. 

Pouco mais de 15 meses depois da chegada de Ronaldinho ao clube, já sem a participação da Traffic na parceria, ficou claro que o casamento não deu certo. É preciso rompê-lo. Mas as partes parecem não saber como fazê-lo. Assis sabe que o irmão, sombra do que já foi, não receberá nem perto do que está celebrado no contrato entre eles e o Flamengo, atualmente. Já o clube sabe que terá uma bomba financeira mais explosiva do que as de Pet e Romário caso rompa unilateralmente o compromisso. Assis está à espera. Cabe ao clube procurá-lo, buscar a melhor maneira de acertar a rescisão e deixar os irmãos buscarem seu caminho. É preciso serenidade, produto em falta na Gávea, para admitir que não deu certo. A cada vez que leio ou ouço falar do imbróglio entre Ronaldinho e Flamengo, já longe da cobertura do dia a dia de clube, lembro sempre das palavras de Assis e as associo às atitudes tomadas por ele. Afinal, contrato é contrato.  
 

O passeio tricolor

Para quem conta com uma torcida que lhe atribui o apelido de Guerreiros, talvez nunca tenha sido tão fácil abocanhar um título. Ao Fluminense bastaram apenas três jogos para ser campeão carioca pela 31ª vez na história. Sem sofrimento, sem adversários à altura. Um elenco muito superior. No Carioca, o baile tricolor deixou os rivais sem ter para onde apelar. 

De certa maneira, o time de Abel Braga entrou até na onda do desprezo ao Carioca. Venceu a Taça Guanabara com uma bela atuação, sem dar chances ao Vasco, e se acomodou. Na Taça Rio, pareceu correr para não chegar. Um ar blasé de quem mostrou confiar em si mesmo. O momento certo chegaria. Sem dó nem piedade, Deco, Fred e companhia engoliram o Botafogo de maneira tão humilhante quanto surpreendente. Em um só jogo, a decisão, dividida em dois capítulos, estava sacramentada. 

Coube, então, apenas controlar os ânimos e aquecer os nervos para a Libertadores, diante do Internacional. Ainda assim, nova vitória sobre o rival, com gol magro, sob chuva fina. Festa na arquibancada do Engenhão, novo título tricolor no estádio, logo após o Brasileiro de 2010. O Fluminense de 2011 inverteu a lógica dos Guerreiros. Decide quando quer. Contra quem quiser. E dá o seu passeio dentro de campo e, depois, com a taça em mãos. Nunca foi tão fácil fazer festa nas Laranjeiras. Merecido título tricolor.


A confiança de Cristóvão

Em um belo e raro gesto, os jogadores vascaínos aguardaram Cristóvão atravessar todo o campo. Vários escudos humanos estavam ali, à sua volta. Da arquibancada, o insensato grito de burro. Sentimento ingrato de um torcedor que não compreende quão importante foi o ex-auxiliar para manter o Trem Bala nos trilhos, sem alarde, sem desespero. Cristóvão, sereno como sempre, preferiu não atacar.

Do alto de sua elegância, reflexo certeiro de seu parceiro Ricardo Gomes, não motivou briga. Sabe que os resultados estão em cima da mesa. Tem ciência de que ainda está começando e, diante do gesto dos jogadores, teve a certeza de que as vaias são absolutamente injustas. É difícil tocar o barco em um caldeirão que despertou novamente para os títulos há um ano. Os vascaínos querem mais.

Em seu curto currículo, Cristóvão tem mais história para contar do que muitos medalhões que afloram pelas áreas técnicas Brasil agora. Sob seu comando, o Vasco lutou até a última rodada pelo Campeonato Brasileiro de 2011. Na Copa Sul-Americana, só não se aventurou mais longe porque as pernas dos jogadores, exauridos diante de tantas batalhas seguidas, não permitiram. No Carioca, chegou a duas finais de turno. Na Libertadores, se aproxima das quartas de final. Difícil entender a ira vascaína com o treinador. Com a voz pausada, em tom mediano, Cristóvão demonstra confiança em si. E isso já basta. 


Saudades de Neymar

Haverá um dia, talvez não tão distante assim, em que certamente todos daremos conta do que é Neymar. O jovem craque do moicano nos acostuma mal. Não temos ainda a dimensão do que ele é. Notícia, atualmente, é quando joga mal, não executa dribles com precisão milimétrica ou faz apenas um gol por partida. Do contrário, em seu vasto repertório de passar por fileiras de zagueiros, vencer goleiros por duas ou mais vezes a cada jogo parece já passar despercebido diante dos nossos olhos. 

Craques observamos com alguma constância pelos gramados brasileiros. Neymar tem potencial para ser gênio. Vai além. Torna o difícil parecer extremamente fácil, simplista demais. Pois não é, senhores, normal observar um jogador decidir  partidas com a facilidade com que o camisa 11 do Santos decide. E com apenas 20 anos. Aos poucos, o garoto que foi chamado de monstro por Renê Simões amadurece. É escorregadio nas entrevistas, mas não se furta a dá-las. E dentro de campo vai acumulando recordes, driblando adversários, encantando a torcida. 

Observar Neymar em ação com carinho é benefício a nossa própria memória.Quantos nós não gostaríamos de lembrar com exatidão como Romário, Ronaldo, Rivaldo e Ronaldinho desabrocharam, decidiram jogos e fizeram tudo aquilo parecer normal. Quando estavam na Europa, a encantar plateias absolutamente estupefatas, percebemos que já era tarde. Com Neymar ainda não é. Garantido por inúmeras cifras e pelo carinho que tem de torcida, o camisa 11 do Santos ainda está aqui, sob nossos olhos. Aproveitemos, portanto. Porque daqui um tempo, não mesmo tão distante, sentiremos saudades de Neymar.

Fluminense se justifica

 Interessante notar a cobrança excessiva em cima do milionário elenco tricolor. Exige-se bom futebol, comportamento adequado, brilhatismo nos jogos. Em poucos momentos, Fred, Deco e companhia até conseguiram deliciar seus torcedores com tais características. Mas, por enquanto, o Fluminense justifica o investimento feito. É bancado para apresentar os resultados que realmente tem. 

Enquanto seus rivais cariocas penam em competições paralelas, o Tricolor põe-se absoluto no trono de rei do Rio. Garantiu a Taça Guanabara, vislumbra a final do Carioca, apossou-se do primeiro lugar geral da Libertadores com autoridade. Quando foi necessário, o time de Abel Braga apresentou seu cartão e se impôs com autoridade. Na final da Taça GB, um banho nos cruzmaltinos. Em jogo escamado na temida Bombonera, contra o Boca Juniors, vitória. Aos poucos, a máquina se azeita para, quem sabe, trinufo maior na Libertadores. Por enquanto, o Fluminense se justifica plenamente.

 

12 de abril de 2012

A lição que o Fla nunca aprende

Não, o Flamengo não caiu de pé ou de cabeça erguida na Libertadores. Muito provavelmente será o único brasileiro eliminado na segunda fase (ou fase de grupos) da competição. Motivo para refletir. Mais um vexame para a coleção do clube no maior torneio sul-americano. Entre desorganização, despreparo e até arrogância, deixar a competição ruborizado tornou-se lugar comum nos últimos anos. Não há um só culpado. Há, sim, um conjunto de ações que leva o clube a não aprender nunca a lição que a Libertadores dá.

Disputar o maior torneio sul-americano, ao pé da letra, exige algumas premissas. Organização do departamento de futebol, pagamento de salários em dia, cobrança dos atletas, logística perfeita, mas, acima de tudo, seriedade. Não se pode tirar o pé. E de novo, agora em 2012, o Flamengo tirou. Abriu 3 a 0 sobre o Olimpia no Engenhão e permitiu o empate em 15 minutos. Dois pontinhos num piscar de olhos que custaram, na frieza dos números, a classificação. Há sempre um apagão como em 2012 ou 2008 frente a Cabañas e companhia, com direito a festa para Joel Santana antes. Ou uma discussão interna, no vestiário, como em 2007 contra o Defensor. Uma confusão na Vila Cruzeiro que afasta o grande artilheiro, no caso Adriano, em 2010. Aos trancos e barrancos, o Flamengo acredita que, um dia, irá chegar de novo ao título. Não vai conseguir. Mesmo.

Basta aos rubro-negros olhar ao seu redor. Santos e Internacional, os últimos dois campeões, não conquistaram a competição apenas na camisa. Nem na base do "vamos lá". São clubes com história, mas também organizados, com preparação adequada, conhecimentos dos adversários e imensos planos de marketing. Buscam projeção internacional com trabalho dentro e fora de campo. O Colorado se vangloria de seu quadro de sócios, contrata jogadores, revela tantos outros bons valores. O Santos transborda em bons patrocinadores, mantém Neymar e Ganso mesmo diante de tantos holofotes e badalação, arrebata torcedores jovens. O Flamengo nem patrocinador master consegue, não aproveitou o impacto da chegada de Ronaldinho e vive mergulhado em notícias de desmandos. Não é mesmo por acaso a eliminação precoce.

Enquanto o Flamengo permanecer estagnado no tempo, agarrado a velhas tradições, à confiança de que a mística do time criada na geração Zico bastam para voltar a ser campeão da Libertadores e mundial, continuará a observar adversários cada vez mais ferrenhos o ultrapassando nesta briga. Em vez de lamentar a falta de sorte e sustentar discursos surrados de que o time fez a sua parte - quando claramente nem isso fez - o Flamengo deve acordar para o futuro. Até o Corinthians, seu companheiro gigante nos cenários nacional e mundial, soube sair da tragédia de um rebaixamento, em meio à desorganização, para entender o panorama de um futebol atual comandado pela profissionalização. Que mais uma eliminação acenda de vez a luz na Gávea e Ninho do Urubu. Democracia não é anarquia. E o Flamengo, enfim, compreenda a lição que teima em não entender.

Reizinho ou plebeu?

De tão forte, o desejo de vê-lo novamente com a camisa cruzmaltina era quase palpável nas arquibancadas e fazia fervilhar a social de São Januário. Parecia se materializar nos gritos recordando o histórico gol no Monumental de Nuñez. De longe, com sua conduta digna dentro e fora de campo, o futebol de classe e as batidas na bola que só os craques compreendem, Juninho fazia suspirar os vascaínos no Brasil. No retorno, poderia ter optado, como tantos outros, por assinar um contrato milionário, fazer exigências, ter caprichos. Mas não. Juninho, o Reizinho da Colina, reassumiu sua coroa em São Januário com simplicidade. Salário minimamente simbólico. Queria provar a si mesmo e à torcida de que poderia ser últil por mais seis meses e dar adeus de forma digna. Mas deu certo até demais. Hoje, de forma triste e irônica, paga por isso.

Logo na estreia, gol de falta. Êxtase nas casas vascaínas. Os gols, as belas atuações e a postura de liderança tornaram Juninho, de novo, referência no elenco vascaíno. O acerto pelo renovação chegou. Coerente, o camisa 8 propôs receber uma boa quantia por jogo disputado, mais um pequeno bônus por gols marcados. Do alto de seus 37 anos, Juninho conhece os limites que seu corpo já impõe. Dessa maneira, evitou viajar para o exterior. Preferiu se poupar dos desgastes de longas horas em aviões para estar às ordens em clássicos e jogos disputados da Libertadores em casa. E pagou pelo sucesso, pelo toque refinado, a batida perfeita na bola. Faz sempre falta à equipe. Tornou-se vítima dos cochichos de corredores, da desconfiança de quem antes gritava seu nome na arquibancada. Joga o Estadual, mas não a Libertadores. Enfrenta times pequenos e faz gols. Vê seu bônus crescer. Pura tolice.

Fosse tão interessado na parte financeira, Juninho não teria abandonado o futebol do Qatar ou tomaria novamente os rumos do chamado mundo árabe no início de 2012. Mas fez o caminho contrário. Por honrar como poucos a cruz-de-malta que leva no peito, decidiu ficar. Aos 37 anos, enfrenta desafios, não falta a treinamentos, por vezes joga o fino e compreende o amor da aquibancada. Sabe o que representa para cada torcedor que chega em São Januário pronto para assisti-lo. Em 2012, Juninho disputou 14 jogos. Recebeu apenas por um. Nem precisava mais estar ali, mas, ainda assim, ouve picuinhas, histórias de corredor e enfrenta desconfianças. Parecem não se lembrar mais de quão diferenciado Juninho é. Magoado, expôs sua chateação. O que deveria ser uma festa já ganha contornos de crise. Incoerência de um Vasco que sonhou em ter seu Reizinho de volta e, agora, insiste em tratá-lo como um simples plebeu.

9 de abril de 2012


Vaca do Verdão rumou para o brejo

A ideia, na verdade, saiu dos bares. Quantas vezes já não se ouviu por aí o rame-rame de que bastaria a qualquer grande clube pedir R$ 1 a todos os seus torcedores para contratar um bom reforço? Pois o Palmeiras teve coragem e o fez sair do papel. Talvez na tentativa de maquiar o processo e torná-lo mais profissional, denominou de crowdfunding a iniciativa de pedir ajuda financeira aos torcedores para contratar Wesley. No fundo, era a boa e velha vaquinha. Enfrentou deboches em toda esquina. Do total de R$ 21,4 milhões, a ajuda dos palmeirenses alcançou, de acordo com notícias, quase R$ 800 mil. Ainda assim, Wesley vestiu a camisa do Verdão. E, por sorte, a tal vaquinha não deu mesmo certo.

Em seu quarto jogo pelo clube, o volante sofreu lesão grave no joelho direito. Ligamento rompido, ao menos oito meses fora de ação. Bola, só em 2013. Fim de temporada. Lamentos no Palestra. Menos mal que o montante pela aquisição de Wesley tenha vindo mesmo do bolso da diretoria palmeirense. Pois imagine caso a vaquinha tivesse dado certo. Na fantasiosa cabeça do torcedor, o volante seria quase sua propriedade. Ele, enquanto "dono", acreditaria ter direitos. Pagou e nem mesmo viu Wesley em ação. O mais fanático poderia buscar uma reparação na Justiça, ainda que o caminho pudesse levar ao nada. Ao se ver livre do fundo dos torcedores, o Palmeiras livrou-se, na verdade, de transformar em realidade o virtual poder que a arquibancada já acredita ter sobre os jogadores. Menos mal. Porque a vaca palmeirense em 2012 foi, mesmo, para o brejo.

Muito barulho por nada

O Vasco de Ricardo Gomes e Cristóvão Borges sempre se pautou pela decência. Dentro e fora de campo. A entrega à beira da exaustão em busca das vitórias nos gramados foi motivos de elogios tanto quanto a postura serena com que o elenco se comportava mesmo diante de adversidades. Não que o time não possa nunca se irritar ou reclamar. Por vezes é até válido. Mas não da maneira desmedida como ocorreu no clássico contra o Flamengo. Dedos apontados para o rosto do árbitro, empurra-empurra, expressões ensadecidas. Diante de tanta cólera, houve até quem perguntou o porquê do comportamento cruzmaltino. Ainda uma incógnita.

Em um jogo bem disputado, com limitações técnicas e táticas, não houve grande polêmica. Vá lá que Welinton possa ter cometido pênalti em Thiago Feltri. Mas o lance esteve longe de ser claro e a partida, aquém de qualquer decisão. Há também quem lembre os pênaltis não assinalados contra o mesmo Flamengo por Péricles Bassols no Brasileiro do ano passado. Alhos com bugalhos. Tamanha reação retardada não se justificaria ainda assim. Entre destemperos, o Vasco trilha perigoso caminho que deveria já ter deixado para trás, sem saudade.

Afinal, uma das razões para a eleição de Roberto Dinamite ao cargo de presidente do Vasco foi justamente romper com a figura retrógada de Eurico Miranda. Mas logo ao final do clássico, à beira do gramado, Dinamite euricou. Expressão de fúria, reclamação aos microfones, acusações de roubo. Aos poucos, a nova administração vascaína traz o Vasco para a simpatia do torcedor de futebol. A rivalidade, claro, ainda existe. Mas o ranço presente com a ditadura euriquista começa a dar lugar à admiração por um clube que, ainda que com seus defeitos, melhora a olhos vistos. Quem sabe com sua voz pausada, sua postura serena, Cristóvão Borges, agora auxiliado nos bastidores por Ricardo Gomes, indique que o caminho trilhado não é indicado. Desta vez, o Vasco visitou o triste passado. E fez muito barulho por nada.

5 de abril de 2012


O fantástico mundo rubro-negro

Só mesmo no fantástico mundo rubro-negro houve quem não desconfiou que as linhas tortas traçadas no início da temporada não teriam reflexo. A doce ilusão de que a camisa e o fato de ser o clube mais popular do Brasil levarão o Flamengo novamente a uma grande conquista internacional compõem o fantasioso panorama. Nem mesmo os constantes choques de realidade proporcionados pelos seguidos vexames na Libertadores desde 2002 parecem acordar os rubro-negros entorpecidos por uma mística que parece perdida nos tempos de Zico. Tempos estes que muitos nem mesmo presenciaram, mas acreditam, solenes, de que ainda está em curso. Pois saiba, caro habitante do fantástico mundo rubro-negro, que não está.

Há tempos o Flamengo deixou de ser respeitado simplesmente por ser enorme fora de campo. Dentro dele, não o é por seguidas temporadas. Claro, há exceções como o título brasileiro de 2009. Pouco, mas absolutamente justificável para um clube refém de um comportamento que extrapola as raias do profissionalismo como quem troca de camisa. O problema rubro-negro não reside na contratação de Joel Santanta, no vaivém de jogadores tecnicamente fracos, na falta de padrão do sistema defensivo. É estrutural e cultural. No fantástico mundo rubro-negro, jogadores regem seus caminhos a bel-prazer, sem necessidade de prestar contas de seu serviço como qualquer profissional remunerado. No alto da montanha, pacata e omissa, a diretoria a tudo observa com a complacência de uma mãe que não se importa em apenas mimar o filho em vez de educá-lo para os desafios que terá pela frente.

Pois de nada adianta o torcedor habitante do fantástico mundo rubro-negro bater no peito que seu clube é grande, a mística é sedutora, a força é inegável e o título da Libertadores virá apenas com o tempo. O Flamengo de hoje desconhece a competição e nem mesmo se esforça para entendê-la. Os vexames são comuns. Em meio a seus inúmeros erros, Vanderlei Luxemburgo tinha um propósito positivo: dar o mínimo de cara profissional ao futebol rubro-negro. Treinos no horário, exigências, CT em curso e consequente chegada de patrocinadores. Foi ceifado por um amadorismo permissivo com noitadas de jogadores de fortunas no bolso e desempenho pífio em campo. Não tolerou, dançou. Menos um na lista dos que lutam contra o ranço que impede que o Flamengo volte a caminhar rumo à sua grandeza.

Em seu delírio contínuo, o habitante do fantástico mundo rubro-negro também tem sua culpa. Exige profissionalismo de Ronaldinho e pede a volta de Adriano. Critica Luxemburgo por suposta retranca e exalta Joel e seu estilo boleiro. Contradições que formam o Flamengo atual em um monstrengo que caminha e tropeça nas enormes pernas. De classificação na bacia das almas a esperança de uma simples vaga na Libertadores, o sonho de reviver os tempos de Zico é alimentado. Mas entre jogadores sem a consciência do que é o clube, vazamento de informações para enfraquecer condutas de profissionalismo, o sonho se perde. O Flamengo, hoje, é mero coadjuvante no cenário sul-americano. Em benefício do clube, todo torcedor deveria reconhecer isso. A não ser, claro, que esteja no fantástico, e triste, mundo rubro-negro.

A espera por Kaká

Kaká voltará, sim, à Seleção Brasileira. É praticamente inevitável. Tem bola, histórico e carisma para isso. Não se deve, no entanto, colocar o carro na frente dos bois. Parece inútil explicar em um país com milhões de treinadores. Se há pouco mais de dois meses o camisa 8 do Real madrid deveria se refugiar no Brasil para terminar a carreira dignamente, hoje representa aquele fio de esperança que vai fazer com que a Seleção volte das cinzas. Já foi assim com Ronaldinho. É assim com Kaká. Será no futuro com outro jogador de porte.

Apesar de todos os erros em que já cometeu em quase dois anos de Seleção Brasileira, Mano Menezes trata o episódio de Kaká com a devida precaução. Deve lembrar que o meia esteve na Copa de 2010 praticamente no sacrifício. Depois disso, sucumbiu às lesões. O futebol de incríveis arrancadas, passes certeiros e belos gols deram lugar às notícias de tratamentos, passagens pelo departamento médico e incertezas. Aos poucos, Kaká está voltando. Obviamente, aos 30 anos não será o mesmo jogador que aos 26 anos foi qualificado como o melhor do mundo. Mano sabe disso. E tem razão.

Convocar Kaká justamente agora, às vésperas dos Jogos Olímpicos, seria uma injustiça. Mais uma lesão ou atuação apagada a nuvem de desconfiança voltaria a pairar sobre o camisa 8. Melhor guardá-lo, apreciá-lo em evolução no Real Madrid e confirmar sua plena recuperação física. A partir daí, passagem carimbada para a Seleção, com efetivas chances de manter-se assim até a Copa do Mundo de 2014. Kaká ainda está longe de ser veteraníssimo, tem condições de continuar em bom nível até o Mundial e, acima de tudo, preza por sua profissão, de atleta profissional. Convém esperar por ele.

30 de março de 2012


R10, o descartável

O garoto abre o pacote de figurinhas, olha a figura dentuça com desdém e dá de ombros. Não é mais um destaque em seu álbum. Virou apenas mais um. Nas lojas esportivas, a procura pela camisa 10 com seu nome às costas já não é motivo de luta ferrenha. Se não estiver disponível, sem problemas. Cada vez mais sombra de si, Ronaldinho Gaúcho é o ex-craque em atividade que figura apenas no imaginário e decepciona quem tinha esperanças de vê-lo corresponder às expectativas ao menos no início de sua nova jornada pelos gramados brasileiros. Agora, já não há mais justificativas para passagem tão opaca com a camisa do Flamengo.

A paciência da torcida se estendeu até o limite. O polpudo salário, antes em falta, está em dia e abunda a já farta conta bancária. Entre costelas doloridas, conjuntivites e insônias, R10 é elemento incógnito nos treinos e, consequentemente, nas partidas. Em 2012, os espasmos de brilho são cada vez mais raros. Espasmos, sim, pois parecem ser involuntários, como se não quisesse mais estar ali. Figura quase estática no lado esquerdo do campo, Ronaldinho não parece se importar com a imensa sombra que o torna uma caricatura do craque que já foi e precedeu o reinado de Messi no tão poderoso Barcelona.

Pois o que espanta neste atual camisa 10 rubro-negro é exatamente a passividade. Aceita ser simplesmente mais um. Difícil entender tal postura de quem, por anos, acostumou-se aos elogios, holofotes e a encantar plateias pelo mundo por sua relação com a bola, parceira que já lhe parece tão estranha. Em sua volta ao futebol brasileiro, Ronaldo e até, pasmem, Adriano demonstraram vontade de vencer. Concentraram-se o mínimo necessário no que de verdade eram, jogadores de futebol. Ainda que por pouco tempo, souberam brilhar, conquistar títulos. Ronaldinho nem isso. Após a decadência no próprio Barcelona, alternou bons e maus momentos no Milan e aportou no Rio com promessas que ficaram pelo vento.

Com tudo a seu favor, Ronaldinho decidiu seguir como um esboço de sua história. Não se preocupa nem mesmo em honrá-la, por uma última vez que seja, e demonstrar à geração fã de Neymar que ele também era fantástico com a bola nos pés. Está resignado. De um passe a um gol, uma boa atuação aqui, outra ali, o camisa 10 do Flamengo sobreviveu. Mas seu prazo claramente está vencido. O alto investimento rubro-negro já não se justifica. Mesmo diante de tanta paciência, de tanta devoção. Pouco importa se é convocado para a Seleção Brasileira ou não. Seus desfalques em jogos pelo Flamengo não incomodam. Por respeito a si mesmo, o jogador deveria buscar, ao menos, um pouco de vontade em ser de novo um craque. Porque este Ronaldinho atual tornou-se uma figura descartável.

29 de março de 2012


O caminhar de Edmundo

7 de dezembro de 2008. Nem trinta minutos tinham se passado do rebaixamento do Vasco em São Januário quando, sozinho, uma figura cruzava o campo já quase na penumbra de São Januário, rumo ao estacionamento. Olhos marejados, cabisbaixo, passos apressados, Edmundo deixou o campo no qual tanto brilhou quase na clandestinidade. Não merecia. Por tudo que fez pelo Vasco. Pelo craque que foi. Por ser uma contradição com uma personalidade sempre explosiva, em busca de destaque. Pouco mais de três anos depois, o Animal ressurgiu.

Em vez da penumbra, os holofotes. Os olhos de novo marejados, mas desta vez a tristeza deu lugar à alegria. No peito, a camisa do clube que tanto ama. Na arquibancada, os protestos deram lugar às homenagens. Nas costas, o número 10 com o qual tanto brilhou. E seguem os aplausos. Merecidos, portanto, para aquela noite. Porque Edmundo errou ao longo da carreira e da vida. E como errou. Mas a noite era de celebração. De festa. Em homenagem ao craque e ao personagem que foi no futebol brasileiro.

Há quem não compreenda tamanha idolatria da torcida vascaína ao, agora definitivamente, ex-atacante. Pois é fácil explicar. Edmundo entende a língua da gente que leva a cruz-de-malta no peito. Por essa gente, a sua gente, foi feliz. Deu carrinhos, debochou, correu, explodiu, deu declarações sem pensar. Sofreu, raspou o cabelo como autopunição, chorou, fez gols e até vestiu a camisa de goleiro. Encarnou a paixão que emana da Colina como poucos fizeram na história. Incoerente, vestiu a camisa do maior rival e desrespeitou sua torcida. Reação agressiva de quem, com emoções repreendidas em cores que não eram as de suas raízes, ama. Por tudo isso, mais de 20 mil cúmplices dessa paixão estavam lá, a postos para o último adeus.

Incoerente até o último fio de cabelo, Edmundo fez sua despedida quase três anos depois da aposentadoria. Mais encorpado, embora ainda técnico, fez seu gol de pênalti. Agradeceu, aplaudiu, se emocionou. E, de primeira, completou o cruzamento que veio pelo alto. Debochado, repetiu a dancinha provocante que eternizou 15 anos atrás em seu êxtase com a camisa cruzmaltina diante do grande rival. Festa completa para o ídolo que fez explodir o amor pela cruz-de-malta de uma geração de vascaínos. Ao deixar o gramado, expulsou os demônios daquele triste e escuro caminhar de 7 de dezembro de 2008. Agradeceu aos torcedores, "do fundo do coração". Disse estar em paz consigo mesmo. A caminhada agora é feliz, sob luz, honrarias e aplausos. Da arquibancada, Edmundo ouviu gritos de "Fica!". Tolice. Mal perceberam que o Animal já havia atendido a este pedido. Edmundo ficou mesmo. Entre suas contradições, amado e odiado, ele está na história do Vasco e, consequentemente, do futebol brasileiro. Fará uma falta animal.