26 de outubro de 2011


A dignidade vascaína

A cruzada vascaína na temporada 2011 no futebol brasileiro deve ser notada com carinho e muita atenção. Não é como outra qualquer. É bem diferente. A Colina pulsa em dignidade. Do torcedor ao atacante. Do porteiro ao presidente. Todos no Vasco dão uma aula de honra às tradições com a busca incessante por todos os títulos que se apresentam pela frente. Após o fim do jejum de taças na Copa do Brasil a sede de conquistas poderia ter sido freada. Pensamento no próximo ano. Mas não. Por que que deixar para depois o que pode ser feito agora? Campeão da Copa do Brasil, líder do Brasileiro e classificado par as quartas de final da Copa Sul-Americana com goleada, o Vasco encanta e dá um tapa de luva de pelica nos rivais.

Seria fácil demais acomodar-se nos louros da até então inédita Copa do Brasil. Nenhum torcedor vascaíno provavelmente reclamaria de uma campanha de meio de tabela no Brasileiro ou de uma eliminação precoce na Sul-Americana. Sim, provavelmente muitos dirão que a fatalidade com Ricardo Gomes impulsionou o Trem Bala a desandar a vencer. Terão razão em parte. Basta olhar a tabela do dia seguinte ao problema do treinador. O time já era o quarto no Brasileiro, apenas dois pontos atrás do então líder Corinthians. O sentimento de dignidade já estava definitivamente implantado. O elenco atual pode não ser tecnicamente tão brilhante como na Era de Ouro, entre 97 e 2000, mas comove pelo coração nas partidas.

Seja com time titular ou reserva, o Vasco atualmente entra em campo para vencer. Pouco importa o que já fez neste ano. Não se esconde, não se acomoda. O grupo parece ter consciência do que o clube representa no futebol brasileiro, sul-americano e mundial. Deseja ser vencedor e não se acomodou com a mesmice de outros campeões. Enquanto na vizinhança Botafogo e Flamengo mostraram desdém e acabaram vítimas de vexame em palco internacional, os cruzmaltinos abocanharam com muitos reservas a vaga diante do Aurora com direito a goleada empolgante. Traz em si o DNA vitorioso de outros tempos. Faz a Colina pulsar como antes. Faz Felipe vibrar como garoto ao marcar um gol que vale liderança. Faz Juninho exercer com maestria seu papel de ídolo e referência. Faz o torcedor ter, de novo, orgulho do clube, do time. É mesmo diferente este Vasco. Não é só grande. Faz jus ao apelido de Gigante. E demonstra para quem quiser ver como é linda a dignidade vascaína.

25 de outubro de 2011


Neymar, o driblador de barreiras

O ziguezague entre os defensores e a leveza com que se desloca em campo não deixam dúvidas que Neymar nasceu mesmo para o drible. É daqueles cometas raros que passam de tempos em tempos pelos campos arrebatando fãs, fazendo-se admirar até por adversários e colecionando momentos inesquecíveis. Tem o dom da bola. Com apenas 19 anos, o garoto prodígio do Santos não se limita a passar apenas por rivais. Com a mesma sutileza com que deixa zagueiros para trás, Neymar tem driblado também barreiras pré-estabelecidas num tradicional mundo do futebol. Ágil, o atacante santista acaba de deixar para trás mais um obstáculo e mesmo jogando em terras tupiniquins está cotado para ser um dos integrantes na lista de melhor do mundo. Provavelmente não será eleito. Mas Neymar prova não bater de frente com barreiras. Ele simplesmente as dribla.

Porque até pouco tempo atrás era impossível imaginar que um brasileirinho jogando cá nessas terras fosse capaz de fazer tamanho estrondo em terras europeias a ponto de integrar a lista dos melhores do mundo. Edmundo só não fez chover em 97, pareceu de outro mundo e nem mesmo citado foi. O sorriso travesso, o moicano reluzente a metros de distância abre portas e deixa para trás convicções de drible em drible, de gol em gol. Aos 19 anos, Neymar da Silva Santos Júnior pôs uma Libertadores da América debaixo do braço e levou o Peixe a uma conquista que ainda não havia encontrado sem Rei Pelé com a camisa 10. É, sem dúvidas, um prodígio. Enquanto a maioria dos boleiros reclama do cansaço, de partida após partida, Neymar pede mais. Desejar estar em todos os jogos, pretende se divertir jogando futebol e assombra a todos como passeia em campo mesmo com 61 partidas nas costas durante a temporada.

Ao passo do encanto da bola, o garoto ainda prova que é possível ser popstar e jogador de futebol ao mesmo tempo. Estrela inúmeras campanhas de marketing, é jurado de torneio de freestyle. Não perde a pose nem o carisma. A cada drible dado no Engenhão no último domingo, o som estridente de gritos de adolescentes era ouvido no estádio. Ele ria. Fez gol e, com as mãos, o gesto de um coração. Neymar não é odiado. É admirado. Por vontade própria, disse que povo que ficaria por mais um tempo. Sente-se feliz aqui, em sua terra. E mesmo assim concorrerá ao prêmio de melhor jogador do mundo. Como será possível, perguntam os europeus. Pois é. Diante dos olhos de todos, Neymar faz história. É o driblador de barreiras.

18 de outubro de 2011


Um beijo em Rafael Marques

Não direi aqui que sou amigo do peito de Rafael Marques. Certamente não sou. Talvez apenas mais um companheiro de trabalho, do tipo com o qual só esbarramos no dia a dia corrido da profissão. No intervalo de um jogo, antes de um treino ou apresentação de um jogador. Mas de todos os bons momentos que já vivi na carreira, em um deles tive a especial companhia do Rafa. 21 de junho de 2010, em Bloemfontein, África do Sul. Eu mal tinha desembarcado na cidade para o último confronto do Grupo A da Copa do Mundo, entre os Bafana Bafana e a França. No centro de imprensa do Estádio Free State, sigo para buscar meu ingresso para a partida. Enquanto procurava um assento entre os centenas de jornalistas presentes, noto uma mão balançando no ar, efusiva. Era Rafael. Logo levantou, me abraçou e tascou-me aquele beijo fraternal que lhe é característico. Senti-me mais em casa. Com um sorriso de orelha e orelha e em meio à história de sua difícil logística até chegar ao estádio, percebeu que ainda não tinha conseguido um ticket para a coletiva de Carlos Alberto Parreira, treinador da África do Sul, logo após o jogo. Como estava atarefado gravando boletins para a Rádio Globo, pediu-me para buscar um para ele, o que fiz com prazer. Ao fim daquele dia, nos despedimos e marcamos de nos vermos antes do jogo, no início da tarde seguinte.

Dito e feito. Cheguei ao Free State cerca de três horas da partida, escolhi meu local junto a outros jornalistas brasileiros e minutos depois vi Rafael entrar. Sorridente, brincalhão, espalhando beijos aos conhecidos e, como diriam os boleiros, exalando satisfação em estar ali. Saímos, então, eu e ele para percorrer os arredores do estádio e conversar com torcedores da França e da África do Sul. Ali, naquele caminhar, me emocionei com Rafael. Em meio ao frenesí de uma cobertura de Copa do Mundo, ele conseguiu fazer com que eu parasse por um instante e entendesse onde estávamos. Rafa falava da carreira, do início, de como planejava o futuro, até quando gostaria de ser repórter de clube. Mencionava com saudade a família, a esposa e, principalmente, a filha, a quem atribuía um milagre diário ao acompanhar seu crescimento. Em meio ao mar de torcedores sul-africanos e franceses, Rafael me fez rir ao abordar quase todos, esbaforido, pedindo que posassem para um vídeo que ele postaria mais tarde no site da Rádio Globo. A garotas sul-africanas, pediu que cantassem "Shosholoza". A três franceses, pediu que entoassem "La Marseillaise", o belíssimo hino francês. E nós dois, felizes bobos, ríamos do que presenciávamos. "É minha primeira Copa do Mundo, Pedro. Imagino também que seja a sua. Vamos rir. Vamos chorar. Grave este exato momento, essa atmosfera e lembre do quanto fizemos muito para chegar aqui. Somos privilegiados", disse Rafael. Palavras que, garanto, nunca vou esquecer.

Após aquele breve momento de um turbilhão de emoções, voltamos ao centro de imprensa e depois fomos ao jogo. De volta ao Brasil, encontrei Rafael algumas vezes, dentro e fora do exercício diário da imprensa esportiva. Sempre fui recebido com um efusivo abraço e o beijo que quem o conhece sabe como é característico. Na última semana, soube que Rafa esbarrou em uma daquelas armadilhas que a vida nos proporciona. Aos poucos, pelo que acompanho, felizmente ele vem derrubando barreira por barreira. Não deixei de rezar um dia por ele e sua recuperação desde então. Não deixei de pensar nos planos que ele me relatou naquela tarde em Bloemfontein. Em seu mar de palavras, Rafael me fez entender como devemos apreciar certos momentos e entender tantos outros. Às vezes eles duram só minutos. Só segundos. São raros e passam. E nos tornam mais fortes. Rafael é um cara que vive pelo esporte, pelos amigos, pela família, pelas paixões. Esbanja gentileza e sinceridade. Não conheço uma só pessoa que não goste do Rafa e acompanho com satisfação a imensa onda de carinho que ele recebe. Merecidíssimo. Torço muito para que você saia dessa, Rafael. Estamos todos esperando pelo seu abraço. Um beijo, rapaz. Força.

16 de outubro de 2011


O bobo futebol de mocinhos


Futebol é, antes de mais nada, um esporte de contato físico. Muito, diga-se. Natural que no calor da partida um jogador troque um mero empurrão com outro, olhe de cara feia. Vida que segue. É do jogo. Na partida entre Ceará e Flamengo, no Estádio Presidente Vargas, Ronaldinho e Heleno acabaram expulsos pelo árbitro André Luiz Freitas Castro. A justificativa? Trocaram agressões. Chocante. Reveja a cena da disputa entre os jogadores. A bola é lançada para o Gaúcho. Heleno toma a frente, levanta os braços e joga as costas em direção ao camisa 10 do Flamengo. No revide, Ronaldinho o empurra e dá um leve chute por baixo. Os dois jogadores saem andando. Não houve briga, não houve consequência. Ninguém reclamou. Não houve agressão. Mas o cartão vermelho é exibido pelo árbitro, de peito estufado como se fosse um verdadeiro defensor da ética moral e dos bons costumes. Patético.

Ronaldinho e Heleno em momento algum trocaram agressões. Se alguém diz isso, mente. Mas o futebol, como grande parte do mundo, foi tomado pelo bom mocismo. Empurrãozinho não pode. Chutezinho na canela é motivo para expulsão. Bacana. O que dizer, então, das cotoveladas desferidas por Kleber, do Palmeiras, em adversários? E Airton, do próprio Flamengo, que já cansou de pisar em adversários e distribuir cotoveladas? Merecem, então, ser banidos do esporte. No mínimo. A lógica do velho esporte bretão anda invertida. Agressão é agressão. Merece e deve ser punido com expulsão e, posteriormente, até mesmo gancho. Vale para cotoveladas propositais, chutes no meio do corpo, entradas criminosas, socos, voadoras e afins. Tudo isso é agressão. O que houve entre Ronaldinho e Heleno não foi.

Mas o mundo hoje parece ser formado por pessoas sorridentes, apresentadores de televisão que são amigos de todos, mocinhos do bem em que nada fora da conduta é permitido. Abra jornais e sites com reportagens sobre a partida. "Ronaldinho e Heleno foram bem expulsos, trocaram agressões". É de rir. Ou chorar. Não há uma análise, a intenção de mostrar ao leitor ou espectador que o que árbitro passou da conta no episódio. Melhor ir, mesmo, pelo senso comum do bom cismo do mundo repleto de adoradores de João Sorrisão. Tivessem os dois jogadores recebido cartão amarelo, a partida seguiria normalmente, os torcedores seriam brindados com um bom jogo de futebol. Mas não. Hoje vale o bom mocismo. Empurrãozinho, um chutinho não merece advertência. Deve ter o mesmo peso de um soco, uma cotovelada. Para os polianas do futebol, o ideal deve ser tornar o esporte um novo vôlei. Jogadores de cada lado, uma rede no meio, sem contato físico. E um poço de hipocrisia no bobo futebol de mocinhos.