1 de fevereiro de 2017

No conforto de seus volantes, um Fla com jogo amadurecido

Quando Zé Ricardo não cansou de elogiar Márcio Araújo em entrevistas, no fim de 2016, despertou a fúria da torcida rubro-negra. Mas era natural que defendesse um jogador querido pelo grupo e importante para a campanha do Brasileiro. Neste início de 2017, no campo, o técnico apontou o caminho que deseja trilhar no Flamengo. Se a goleada sobre o Boavista na estreia do Carioca deu indícios de um Zé Ricardo mais livre com seus pensamentos, a boa vitória na segunda rodada, por 3 a 0, sobre o Macaé, em Volta Redonda, indicou um Flamengo que deixa de priorizar os pontas, abraça o meio de campo com seus volantes e fica mais confortável com sua ideia de jogo. A principal cartilha de 2016 parece ficar no passado. 

Quase desnecessário dizer que a diferença técnica entre Rômulo e Márcio Araújo é gritante. Vigor e força foram substituídos por bom posicionamento e qualidade no passe. No segundo jogo do ano, Rômulo e Arão se entenderam melhor sobre saída e cobertura. Mancuello não mais estava fora de jogo. Pelo contrário. Caiu mais para o meio, deixando brecha para Pará passar explorar a ponta direita, além de cobrar faltas e escanteios. Assim, o Flamengo atacava com Guerrero e quatro jogadores às suas costas: Everton, Diego, Arão (ou Rômulo) e Mancuello. E o time girava a bola, buscava o passe, tentava esperar uma desatenção do inofensivo Macaé para encaixar uma infiltração. A primeira ocorreu em impedimento mal marcado, em que Everton rolou para Guerrero, que chegou a driblar o goleiro, nas costas da defesa. Eram sinais claros de que o 4-2-3-1 e seus pontinhas de 2016 estavam em baixa.

Na ideia de jogo de Zé Ricardo, os volantes têm prioridade. Giravam a bola e contavam com os auxílios luxuosos de Everton, bem mais combativo e ofensivo do que Adryan, e Mancuello, deixando os lados e caindo pelo meio, abrindo espaços para os laterais avançarem ao ataque. Assim, Trauco recebeu de Diego dentro da área e rolou de volta para o meia, que dividiu a bola com Aislan. O próprio Diego cobrou com categoria o pênalti assinalado pelo árbitro. 1 a 0. Um Flamengo mais solto no placar e no campo. 

A vantagem permitiu ao time aumentar a movimentação e as trocas rápidas de passes, característica que chegou a aparecer em alguns de 2016, como contra o Figueirense. Não tardou o Macaé a bater cabeça. Aí o mérito da aposta de Zé Ricardo em dois volantes técnicos para construção do jogo. Rômulo, do lado esquerdo do meio de campo, infiltrou bola preciosa para Guerrero na grande área, pela direita, mas o peruano chutou em cima de Milton Raphael. Logo em seguida, Arão, no lado direito, achou Mancuello livre na área. O argentino, caprichosamente, bateu rente à trave direita do goleiro. Era um Flamengo superior, com calma, ciente do que precisava e do pedido de Zé Ricardo. Girar, trocar passes no meio e também arriscar na hora certa. No intervalo, a torcida estava satisfeita não com o placar. O desempenho é que deveria ser comemorado. 

No segundo tempo, de cara um defeito do time foi transformado em virtude. Com um minuto, Arão perdeu a bola no meio de campo, mas Rafael Vaz se antecipou ao contra-ataque e, de primeira, lançou Mancuello na direita. O argentino cortou para dentro e cruzou com capricho para Guerrero. Antes, porém, Aislan mandou para a própria rede. 2 a 0. Estava fácil. Quatro minutos depois, Everton caiu de novo para o meio, tabelou com Guerrero, pivô na entrada da área, e lançou para Mancuello, de novo no ataque, na direita. 

O argentino teve calma e rolou para Willian Arão tocar para o fundo da rede do Macaé. 3 a 0. Fatura liquidada. E ainda assim o Flamengo continuava a pressionar, apresentava alternativas. Trauco trocou com Everton e caiu para o meio. O camisa 22 explorou o lado esquerdo vazio e entrou na área para finalizar forte, mas Milton Raphael evitou o quarto gol. Em seguida, Zé Ricardo  mostrou que a cartilha de 2016 estava mesmo no passado. Cuellar, pouco utilizado na última temporada, entrou na vaga de Mancuello. Márcio Araújo continuou no banco. Arão foi adiantado e a troca de passes entre Rômulo, Cuellar, Mancuello e Diego continuou. O ritmo só diminuiu depois da expulsão boba de Everton. Rodinei entrou na vaga de Diego por uma questão de fôlego. Fim de jogo. Claro que adversários mais fortes chegarão, espaços na defesa devem ser ainda melhorados. Mas com ideias mais claras, o Flamengo lidera o Grupo B do Carioca. Um time modificado, mais maduro. E confortável com seus volantes e sua nova ideia de jogo. 

Pirâmide Invertida e a viagem pela história do futebol

Há quase um ano tracei algumas linhas para o Esporte Final sobre o exagero do tatiquês no jornalismo esportivo que causaram uma espécie de irritação generalizada em quem abraça o tema com paixão aflorada. Levei muita bordoada em redes sociais da turma especializada, ainda que tenha ocorrido uma grande confusão por parte de muitos: a crítica, ainda atual, era sobre a maneira de se comunicar, necessariamente objetiva e clara em um jornalismo que abrange diferentes públicos, e não ao estudo e entendimento da tática no futebol. Mas confusões acontecem. 

Fato é que, sim, me interesso pelo tema e desde que me tornei jornalista esportivo sempre gostei de acompanhar de perto os jogos e treinamentos - infelizmente hábito cada vez menos permitido nos clubes brasileiros - e ficar atento ao que executavam e diziam técnicos e jogadores. Estudar, buscar conhecimento nunca é demais. Ler, então, nem se fala. Por isso decidi embarcar no mais novo lançamento da Editora Grande Área, A Pirâmide Invertida, do inglês Jonathan Wilson, que aborda a história da tática no futebol. Como é um livro indicado a um nicho, me preparei, claro, para encarar expressões como as que critiquei no texto que causou alguma polêmica, ainda que sem muito sentido. Mas que nada. Ao longo de mais de 400 páginas fiquei, mesmo, encantado.

Claro que algumas expressões modernas sobre o jogo estão lá. Era inevitável. Mas o livro, repito, parece se dedicar a um nicho. Ainda assim, a tradução, realizada pelo jornalista André Kfouri, é bem clara e encarna o embalo de um verdadeiro romance não só sobre a história da tática, mas sobre o futebol em si. Acompanhar o nascimento do esporte mais popular do mundo e sua desorganizada pirâmide inicial, um 2-3-5 do final do século XIX, na Inglaterra, é interessante para qualquer apaixonado pelo esporte. Wilson faz bem o vaivém entre seleções, clubes e diferentes países, engendrando o livro de maneira que o leitor acompanha ao longo das páginas o processo de inversão da pirâmide, levando-a aos esquemas atuais com um homem na frente alimentado por vários atrás. 4-1-4-1, 4-2-3-1. No fim, como diz Guardiola no livro sobre seu primeiro ano do Bayern, são apenas números de telefone. 

Jonathan Wilson explica o porquê de o sistema tático no futebol ser um ser vivo, sempre em mutação, pronto para se adaptar às características modernas do jogo, com menos espaços, altíssima competitividade e atletas talhados para render o máximo. É uma viagem no tempo observar como tudo se encaixa, como o futebol bebeu de várias fontes para evoluir e se tornar o jogo complexo dos dias atuais. Desde os cafés de Viena, na Áustria, e seu romantismo sobre o futebol até o jogo bruto dos ingleses e sua insistência em ignorar o passe como parte fundamental do esporte. 

Natural que Wilson, britânico, mergulhe fundo no futebol local, berço do jogo moderno, e no europeu. Estão lá explicações sobre o nascimento do histórico sistema W-M, nomes como Jimmy Hogan, Viktor Maslov, o Futebol Total da Holanda de Cruyff e Rinus Michels, a força soviética e suas implicações para encaixar no jogo análises com tecnologia e estudos em laboratório. Entendemos o surgir do catenaccio italiano. E é especialmente deliciosa e rica a passagem que conta, com direito a campinhos, numerosos ao longo de toda a publicação, sobre o grande Milan do fim dos anos 80 de Arrigo Sacchi, Van Basten e Gullitt. Compreendemos o jogo com três defensores, o caminhar para o oposto da pirâmide inicial. Admiramos Louis van Gaal. E desembocamos, claro, em Guardiola e seu ápice do jogo coletivo, com fartura de passes entre Xavi, Iniesta, Messi e companhia. 

O livro, no entanto, não abraça apenas o futebol europeu. E nem poderia. Há espaço, claro, para as duas grandes escolas do futebol sul-americano, a brasileira e a argentina. O Brasil de 58 e seu 4-2-4 inovador está lá, assim como a escalada ao 4-3-3 com o formiguinha Zagallo em 1962. A maior seleção de todos os tempos, o Brasil de 70 recheado de gênios, também está reverenciada e explicada. O Flamengo de 81 e seu 4-1-4-1 (ou 4-5-1) está lá. Sob o olhar brasileiro faltaram, mesmo, um mergulho maior na história seleção de 82 e uma explicação sobre a importância do ousado Nilton Santos para o jogo dos laterais modernos. Com os hermanos, a explicação da romântica época de La Nuestra e o embate entre as doutrinas de Menotti e Billardo, dando sequência ao detalhamento do perfeccionismo, anos mais tarde, de El Loco Bielsa, um dos inspiradores de Guardiola. 

A Pirâmide Invertida é um livro para ser absorvido com calma, relendo trechos, observando os campinhos táticos e, num mundo moderno, até auxiliado de vídeos da internet. Fui buscar vídeos de Matthias Sindelar, o atacante austríaco e provável primeiro falso 9, nos anos 30. É a história do futebol romanceada e um estudo a fundo da evolução da tática. Vale muito ler. Até na praia.

Ficha:

Título: A Pirâmide Invertida - A história da tática no futebol

Autor: Jonathan Wilson

Editora: Grande Área

Preço: R$ 64,90

Páginas: 472

Disponível para compra aqui   

29 de janeiro de 2017

No baile tricolor, o choque entre passado e futuro

O primeiro clássico carioca de 2017 colocou frente a frente ideias distintas de futebol e apresentou claramente um confronto entre passado e futuro. Choque de pensamentos até em modelos de gestão e que refletiu em um baile do Fluminense nos 3 a 0 sobre o Vasco, no Estádio Nilton Santos, o Engenhão, neste domingo. 

De cara, o Vasco contava em sua escalação inicial com seis titulares acima dos 30 anos. É, desde o final melancólico na Série B de 2016, um time agarrado ao passado que carece de renovação, tanto em ideias quanto em fôlego. Pela frente, encontrou um Fluminense que também terminou 2016 de forma melancólica, mas se propôs a olhar para o futuro. De seus 11 titulares, apenas dois, o goleiro Cavalieri e o zagueiro Henrique, tinham mais de 30 anos. 

Abel Braga teve pouco mais de 20 dias desde a reapresentação do elenco até o início do Campeonato Carioca. E parece ter aproveitado ao máximo o tempo e os reforços. O trio ofensivo formado atrás de Henrique Dourado proporcionou momentos de calafrios à estrutura defensiva vascaína e mostrou entrosamento. Wellington pela esquerda, Sornoza pelo meio e Gustavo Scarpa pela direita era apenas uma ideia inicial, no papel. Na prática, os três jovens alternaram posições, trocaram passes, ocupavam espaços e aproveitaram os lados de um estático Vasco para avançar. Deu problema. 

Tudo porque Cristóvão Borges parece ainda agarrado às ideias que o fizeram colecionar insucessos em Flamengo e Corinthians, por exemplo. Marcação adiantada, buscando troca de passes para infiltrar ou acionar Escudero e Eder Luis pelos lados. Não funcionava. Bastava uma bola perdida para o Fluminense arrancar em contra-ataque e visitar Cavalieri com um tapete estendido de espaços. Por duas vezes, a bola cruzou a área vascaína, mas não encontrou alguém para colocá-la na rede.  

O Vasco continuava quase parado e lento demais para encaixar a defesa. Presa fácil. Assustar, mesmo, apenas em bola parada. Luan carimbou a trave de Cavalieri em escanteio cobrado por Nenê. Era pouco. Porque do outro lado o Fluminense combatia com os volantes Douglas e Orejuela, adiantava os laterais Léo e Lucas e tinha Sornoza. Contratação deste ano, o equatoriano mostrou a credencial para a torcida tricolor. Um lançamento que superou facilmente Rodrigo pelo alto. A bola mergulhou na área e Henrique Dourado, inteligente, tocou de calcanhar para o meio. Douglas dividiu com Martín Silva e Wellington, livre, chapou o rebote para o gol, deixando desolados e tontos Rodrigo e Luan. 1 a 0.

Os vascaínos, então, se perderam completamente. Cada ataque tricolor, veloz, de pé em pé, com bolas esticadas para aceleração do onipresente Scarpa, em tarde soberba, ou Wellington causava desespero a um Vasco que batia cabeça e cedia cada vez mais espaços. Tanto que Sornoza, fácil, dominou bola na entrada da área, driblou Andrezinho, passou por Henrique e rolou para Henrique Dourado, sozinho no meio, apenas escorar. 2 a 0. Um time do presente, organizado, veloz e com muita mobilidade, dominava sobre outro do passado, lento, que cedia campo e sem inspiração e pernas para acompanhar o ritmo do rival.

No segundo tempo, Cristóvão tentou corrigir e tirou Escudero e Eder Luis, superados facilmente pelas pontas e sem força efetiva no ataque. Colocou Guilherme Costa para povoar um meio de campo que era só tricolor e Ederson para acompanhar um inoperante Thalles no ataque. Deu falsa impressão de melhora quando o camisa 9 vascaíno perdeu chance clara na risca da pequena área, batendo por cima de Cavalieri e depois com Madson, que entrou na área e finalizou em cima do goleiro. Na prática, o Vasco marcava um pouco melhor, combatia Sornoza mais de perto, mas continuava adiantado, exposto aos contra-ataques velozes. Num deles, Scarpa entrou na área livre, cortou para o meio e só não ampliou porque finalizou mal, no corpo de Martín Silva. 

Com o ritmo intenso, Abel entendeu que lhe faltavam pernas para que o time continuasse a cumprir a intensa troca de posições com velocidade para confundir os vascaínos. Tirou Sornoza e pôs Luiz Fernando, volante, para equilibrar o meio de campo. Mais à frente, sacou Wellington e colocou Marcos Júnior. Com cinco minutos, matou o jogo. Claro, num contra-ataque de manual. Luan, zagueiro vascaíno, foi desarmado no ataque rival. Douglas recebeu a bola e lançou Marcos Junior pela esquerda. Diante de um solitário Andrezinho, ele rolou para Scarpa, que atropelava pela direita. Era muito espaço. Com calma, inverteram posições. O camisa 10 levou a bola para esquerda e rolou para Marcos Junior, já na área, pela direita. Com um toque suave, por cima de Martín Silva, ele deu números finais ao clássico. 3 a 0. 

Um novo choque de realidade para o Vasco. Cristóvão deve repensar o time tão adiantado e formado, em sua maioria, por jogadores já veteranos. Mesmo à espera de Wagner e sonhando com Luís Fabiano, o time deve rejuvenescer para acompanhar o ritmo atual do futebol. E talvez ter a humildade de fechar a casinha diante das limitações. Abel já entendeu. Escalou jovens velozes e inteligentes, prezando pela troca de posições e uma defesa encaixada. Todos sabem para onde correr no Fluminense. Neste domingo foram para o abraço. Que baile. 

28 de janeiro de 2017

Na goleada rubro-negra, indícios de um Zé Ricardo livre

Os olhares de desconfiança já pairavam sobre Zé Ricardo com as derrotas em amistosos para Vila Nova e Serra Macaense. Mas diz o chavão que treino é treino, jogo é jogo. E é mesmo. A goleada de 4 a 1 sobre o Boavista, em Natal, pelo Campeonato Carioca, na estreia oficial da temporada, trouxe alívio e promessa de ideias interessantes para o restante da temporada. O técnico do Flamengo está mais solto. Sim, solto. 

Quando assumiu em 2016, Zé Ricardo deveria empilhar resultados para garantir sua permanência no cargo. Com a primeira etapa cumprida, agarrou-se a um esquema para manter o time no ritmo de competitividade que o permitia sonhar com o título brasileiro. Em 2017, a pedra está zerada. O técnico se sente mais livre para arriscar e tentar pôr em prática ideias que provavelmente já acumulava na última temporada. À primeira vista, o time lançado a campo neste sábado era um Flamengo no velho 4-2-3-1 dos pontinhas, com Everton de um lado e Mancuello do outro. O camisa 22 passou mal e deu lugar a Adryan antes do apito inicial. Imprevisto que atrapalhou.  

Longe de ter o vigor de Everton para ajudar na marcação pelo lado esquerdo, o meia-atacante prata da casa desequilibrou a balança do time na primeira etapa. Trauco, agudo, lançou-se ao ataque, mas teve de tomar cuidado com as bolas às suas costas. Por ali o Boavista atacava, rápido, com Erick Flores e Maicon. Assim, o lateral peruano ficou pelo meio do caminho no primeiro tempo. E o time parecia desentrosado, sem saber como se movimentar. A dupla de volantes, nova, Rômulo e William Arão, ainda se entendia quanto a quem deveria cobrir o avanço de quem. Natural para o início de temporada. Na direita, Mancuello, quando muito ao extremo do campo, tinha dificuldades. Mas claramente tinha a indicação de buscar o jogo pelo meio por um passe ou arremate, por vezes infiltrando na área. Mas na maioria das vezes tentava passe longo. Tinha espaço, mas não velocidade para aproveitar o espaço pelo lado. Não encaixava. 

Talvez por isso o gol do Flamengo veio do meio do caminho. Trauco, de longe, olhou para a área e enxergou Guerrero pronto para subir sozinho de cabeça no meio dos defensores do Boavista. 1 a 0, com ajuda do goleiro Felipe. Senhor cruzamento. Nem assim o jogo rubro-negro fluiu melhor. Pelo contrário. Ainda continuava exposto a contra-ataques. Arão errava passes, Diego voltava para tentar buscar a bola. Era confuso. Nessa, o time de Joel aproveitou para empatar antes do intervalo, em belo cruzamento de Pedro Botelho para Mosquito, nas costas de Trauco. 1 a 1. 

Com o resultado ruim, Zé Ricardo tirou o Flamengo do gesso do 4-2-3-1 do primeiro tempo. Maior movimentação, mais troca de passes, como no início da partida com o Vila Nova. Surtiu efeito diante de um time tão espaçado quanto o Boavista, claro. Justamente com uma característica responsável pelos melhores momentos do time de Zé Ricardo em 2016: a troca de passes rápidos. Trauco avançou pelo meio, rolou para Guerrero, que passou de primeira para Mancuello. O argentino, posicionado por dentro, longe da ponta, apenas rolou com um toque açucarado para o próprio Trauco, como atacante, ultrapassar pelas costas de Antonio Carlos e tocar para o fundo da rede. Golaço de um time mais solto e consciente. 

Logo em seguida, Adryan deixou o campo após uma pancada no tornozelo. Zé Ricardo, então, se libertou. Jogou Mancuello para o lado esquerdo e colocou Rodinei, lateral de ofício, à frente de Pará. Com explosão, o camisa 2 aproveitou o espaço com a velocidade. Não tardou a chegar sozinho, olhar para a área e enxergar Guerrero livre para marcar mais um de cabeça. 3 a 1. Boavista entregue. Flamengo relaxado, como Zé Ricardo. Uma equipe que passou a encaixar passes, de pé em pé, girando o jogo, trabalhando triangulações pelos lados. Rodinei fez o que se esperava de Cirino e o que se espera de Berrío. Velocidade, explosão. Apareceu na cara de Felipe pelo lado direito, mas bateu em cima do goleiro.

A goleada foi fechada em mais um belo lance. Rebote depois de tentativa de finalização de Guerrero, Trauco, inspirado, rápido o bastante para achar Diego no meio da área. Frio, o camisa 35 deu um corte em Antonio Carlos e colocou de chapa no fundo da rede de Felipe. 4 a 1. Início com vitória e um Zé Ricardo à vontade para testar ideias. Mancuello pela direira ensaiando entradas na área e passes pelo meio, vislumbrando Conca no futuro. Aproveitar a explosão de Rodinei além da lateral. Rômulo posto à prova. Berrío está a caminho. Zé Ricardo, livre, parece pronto para ser inventivo e buscar soluções. Vale acompanhar.  

6 de janeiro de 2017


Estruturado, Flamengo busca o equilíbrio para alçar o prometido voo 

Talvez um dos grandes passos em falso da gestão Bandeira de Mello no Flamengo tenha sido indicar um ano mágico aos torcedores. Fosse em papo com dirigentes, em conversas nos corredores da Gávea ou troca de informações com conselheiros, 2015 era apontado como um ano em que o clube, provavelmente, estaria hegemônico no campo esportivo do futebol brasileiro. Por outras vezes, a tarefa passou para 2016. Em seguida, ao recém-nascido 2017. Convenhamos, apontar ano mágico ou dourado é tarefa impossível em um futebol que vai além das planilhas. Fato é que o Flamengo chegou em 2017 renovado e estruturado fora de campo. Falta alinhar os botões e aprender com os erros no futebol para fazer a engrenagem decolar. 

A mudança de patamar do Flamengo recebido por Bandeira de Mello no fim de 2012 de Patricia Amorim salta aos olhos. O clube que só fazia aumentar a dívida e temia um monstro de R$ 750 milhões vislumbra, enfim, o equilíbrio de um para um entre déficit e receita, ambos na casa dos R$ 430 milhões. Uma dívida ainda alta, mas equacionada e em queda constante. Algo inimaginável há alguns anos. Os atrasos salariais deixaram de ser manchete e dívidas milionárias históricas, com Romário e Ronaldinho, foram quitadas. Se antes o Flamengo chegou a enfrentar um ano sem patrocinador master, agora anuncia acordo de R$ 200 milhões pelos próximos seis anos com a empresa tailandesa de energéticos Carabao. A marca Flamengo foi revitalizada e a receita subiu. A ponto de permitir ao clube comprar brigas políticas grandes, como o não acordo, até o momento, de televisionamento dos jogos da equipe no Campeonato Carioca, gerido pela Ferj. R$ 15 milhões que deixam de entrar no bolso. Mas o Flamengo, garante, pode se dar a este luxo.  

Entre os inúmeros acertos, Bandeira e seus pares pecaram no desenvolvimento do futebol. Talvez por falta de conhecimento do meio em alguns momentos, talvez por falta de verba em tanto outros. Mas neste 2017 o Flamengo entra diferente. O centro de treinamento do clube, enfim, é moderno. A estrutura é básica para qualquer grande instituição do futebol, mas o Ninho do Urubu concluído e à disposição dos profissionais é um marco. As imagens de instalações abandonadas, poças em dias de chuva, lama, condição precária passarão a figurar no passado. Impacta não apenas na imagem do clube no mercado para captar receitas, mas, também, entre os profissionais de futebol. Queixas sobre o CT eram veladas, mas constantes entre jogadores e membros da comissão técnica. Tendem, portanto, a sumir. O clube injetou verba de R$ 15 milhões e seduziu Conca e seu clube chinês com o oferecimento da estrutura. Mais um degrau para subir de patamar.  

Na tentativa de equilibrar o lado financeiro e deixar a máquina rubro-negra em plena atividade, a diretoria errou a mão ao permitir ao elenco ser itinerante em 2016. O desgaste chegou no fim do ano, reduziu as chances de briga com o Palmeiras pelo título brasileiro e o aprendizado parece assimilado. Mesmo sem o Maracanã garantido, acordo e investimento previsto de R$ 12 milhões para tornar o Estádio Luso-Brasileiro, na Ilha do Governador, na sua casa, concretizados. O elenco terá menos viagens e desgaste pela frente. Estruturado, o Flamengo tem orçamento em 2017 previsto em R$ 435 milhões. Fruto de um trabalho iniciado em 2012 e que torna o clube sólido para alçar voos altos nos próximos anos. É hoje um clube que firma sua base, cresce de acordo com seu enorme potencial, sem fórmulas mágicas ou almas caridosas. A tendência é crescer o investimento no futebol no futuro. Mas, atualmente, o Flamengo investe cerca de 60% de sua receita no futebol, abaixo dos grandes clubes brasileiros em geral. Mas há o porém. A dívida, ainda que equacionada, freia investimentos altos em direitos econômicos de atletas. 

Aí pode ser que more, por enquanto, o maior desafio. Ainda que tenha formado um elenco robusto, com investimentos salariais altos em busca de retorno técnico como Diego e Guerrero, o elenco carece de reforços, como provado em 2016. Equilibrar a balança do financeiro com o lado técnico do time será tarefa dura, mas necessária. Rômulo está próximo de reforçar o meio e dar ao menos alternativa a Márcio Araújo. Conca será opção. Mas Zé Ricardo precisa de atacantes velozes e técnicos para as extremidades do campo. Marinho voa rumo ao paraíso chinês. Cabe ao clube achar a solução para os pontas e não repetir o erro de 2016 com a zaga, setor claramente debilitado e reforçado apenas no meio da temporada. Com receita robusta, patrocínios encaminhados, CT concluído e estádio garantido no Rio, o Flamengo anuncia para 2017 uma estruturação inédita em anos no clube. Resta o equilíbrio com o elenco de futebol para alçar o sonhado voo. 

8 de dezembro de 2016


O técnico, o personagem Renato e a ferida aberta

1995. Um dia após o histórico gol de barriga na final do Carioca, Renato Gaúcho topa o desafio. Veste o manto, pega o cetro e põe a coroa sobre a cabeça. Literalmente, vestido de Rei diante de lentes de um jornal carioca. O Rei do Rio, posto disputado em briga midiática com Romário, do Flamengo, e Túlio, do Botafogo, que teve caráter épico mesmo em tempos sem internet e redes sociais. Era o auge do personagem fanfarrão de Renato Portaluppi. 

2008. Vasco em meio à maior crise da história, lutando contra uma luta quase perdida contra rebaixamento no Brasileiro. Em uma manhã no Vasco-Barra, o técnico Renato Gaúcho conversa com um fisiologista, que tem um papel em mãos. Ali, listados, os pesos dos jogadores. Edmundo, craque da companhia, tinha três quilos a mais do ideal. Outros jogadores contavam peso a menos. Renato termina a conversa, reúne o grupo no gramado e, nervoso e com muitos gestos, cobra o cuidado com o corpo, explica o impacto no desempenho da equipe. Até Edmundo, antes revoltado ao exibir a barriga a todos da comissão técnica, ouvia calado. Era o técnico Renato, preocupado com detalhes da profissão pós-jogador. 

2016. O personagem fanfarrão se une novamente ao técnico com a conquista da Copa do Brasil. "Futebol é como andar  de bicileta. Não se desaprende. Quem não sabe, tem de estudar e ir para a Europa mesmo", alfineta. O caos está instaurado. Renato, ao seu estilo, deu o recado que gostaria. Reação a uma ação. E reabre a ferida que causa melindres no futebol brasileiro. Estudiosos versus boleiros. Conhecimento versus desprezo pela qualificação. O empobrecimento do debate. Um mau exemplo para o dia a dia dos brasileiros. Renato não é Guardiola e nem se propõe a ser. Tem seu estilo, sua maneira de entender e lidar com o futebol. Rema contra a maré vigente num panorama em que técnicos medalhões perdem espaço para novos nomes. É a troca de um ciclo. Por isso, vê-lo levantar um título causa rusgas. Não é certo, nem errado. Apenas uma das várias maneiras de entender futebol. 

O título de Renato, o Portaluppi, com o Grêmio escancara o debate no futebol brasileiro não apenas pela provocação. Ídolo e por mais de dois anos longe da área técnica, ele substituiu Roger, um dos nomes que mais ventilam novidades no futebol brasileiro e que carrega o adjetivo de "o estudioso". Foi o contraponto imediato. Tem gosto pelo papo com os jogadores, faz mais o estilo boleirão. E o time gremista, que já apresentava sinais de desgaste, melhorou. Mesmo com um boleiro após o estudioso. Renato, inteligente, fez ajustes finos, manteve boa parte do trabalho de Roger. É um time mais forte do que era na defesa, mais incisivo no momento de buscar o gol, mas mantém a troca de passes, a paciência no entorno da área adversária. Controlou o grupo, recuperou jogadores. É um mérito. E, uma vez mais, derruba a tese de um caminho único no futebol. 

Mas a venda de imagem de Renato como um simples motorista que já pegou o bonde andando e o tocou para a taça mesmo sem ter qualidade ou ser capacitado para tal o incomodou. As críticas de um técnico que passou o tempo na praia, também. Daí a reação fanfarrona de Renato. É o jeito dele. De quem já disse que iria brincar no Brasileiro. De quem disse que jogou mais do que Cristiano Ronaldo. 

Renato é um dos últimos românticos de um futebol brasileiro que mora no ideal de uma geração de torcedores. Gosta dessa imagem. Entende como estilo de vida, se propõe como um símbolo. É da época de provocações, não das frases sobre três pontos e elogios mútuos blindados por assessores. Mas é inteligente. Se nutrisse tanto desprezo por estudo e análise no futebol talvez destruísse o trabalho de Roger por completo. Não o fez. Manteve parte, acrescentou suas ideias. Fez do Grêmio campeão nacional depois de 15 anos. Aproveitou o momento, tocou na ferida e se manteve fiel à própria biografia. Usou o personagem. E sabe que há espaço para todos. Mais de 20 anos depois, Renato novamente vestiu a fantasia de Rei. Para chegar à taça, obviamente mostrou a faceta de um técnico que se preocupa até com o peso dos jogadores. Provocou e se divertiu. Foi técnico. Foi campeão. Foi o personagem Renato Gaúcho. 

1 de dezembro de 2016


De Medellín a Chapecó, a materialização do clichê

Não é só futebol. As luzes na arquibancada do estádio Atanasio Girardot inflaram o sentimento que varreu o continente sul-americano diante de uma tragédia que sufocou gargantas e provocou lágrimas coletivas como em raras ocasiões. O abraço dado pelo Atlético Nacional e sua torcida é daqueles maternais, de quem diz que está tudo bem e nada vai acontecer. Afagos fazem bem para suprimir a dor. Em Medellín e Chapecó, o futebol transbordou fronteiras para nos desarmar. 

Somos o que pretendemos ser. Quem buscamos ser. A linda cerimônia dos colombianos indicou que podemos, sim, sermos solidários. Sermos bons, mesmo. Importarmo-nos uns com os outros. Ignorarmos diferenças. Adversários não são inimigos. Foi o que espelhou o futebol em uma semana que começou com a alegria do título do Palmeiras depois de 22 anos, presenciada pela própria Chapecoense, e seguiu com a perda de tantos sonhos e histórias em uma montanha colombiana. Na dor, o futebol seduziu até quem não liga para o esporte. Instigou lágrimas e reflexões. Não é só futebol.

Em Chapecó, não é mesmo. O clube se confunde com a cidade e torna a relação entre jogadores e cidadãos mais intimista. O sofrimento de perdê-los de forma tão trágica parece ser maior. A Arena Condá, de novo, vestiu-se de verde para homenagear quem tanto a honrou. Em Medellín, o laço de solidariedade pareceu se completar. Um povo distante que abraçou a dor como sua. Homenageou mortos como seus. Palavras afagaram, gestos emocionaram. E a barreira da linguagem se dissipou com o coro de "Vamos, vamos, Chape!" ecoado em uma arquibancada colombiana, que encharcou o gramado de flores brancas. Não é preciso final alguma. Não é preciso entender regras. Na mais bela homenagem do esporte, o Atlético Nacional e sua torcida tiveram sua mais grandiosa conquista. Amenizaram dores. Afagaram corações. Materializam o velho clichê. Não, não é só futebol. Gracias, Colômbia.  

24 de novembro de 2016

O técnico Rogério, o contrassenso e o risco

Inegável que há uma mudança em curso no futebol brasileiro na avaliação de técnicos. Profissionais mais qualificados, considerados preparados e atualizados com novas ideias que bafejam sobretudo no continente europeu tomaram à frente na preferência de público, crítica e até de cartolas. Basta observar novos perfis que já comandam grandes clubes. Zé Ricardo no Flamengo, Jair Ventura no Botafogo, Roger até pouco tempo no Grêmio. Todos recebidos como boas e revigorantes ideias em um ambiente já enfadado de velhos medalhões. A chegada de Rogério Ceni ao comando do São Paulo menos de um ano após a própria aposentadoria é, portanto, um contrassenso. 

Impossível questionar a capacidade de Rogério para leitura de jogo, compreensão de vestiário, liderança. Elementos fundamentais para a nova profissão. O ex-goleiro tem tudo isso. Mas ainda não é técnico. Logo após pendurar as luvas, o ex-camisa 1 embarcou na nova onda do futebol brasileiro. Inteligente, compreendeu o momento. Para ser técnico é preciso qualificação além de história, experiência na carreira como jogador, entendimento de vestiário. Ceni sabia disso e buscou se aprimorar. Viajou à Europa, frequentou clubes ingleses, fez cursos disponíveis e se encontrou com Jorge Sampaoli. Tudo amplamente divulgado, como quem mandasse sinais. A ideia de Rogério Ceni, o técnico, passou a ser digerida por todos. Estudou, buscou entender métodos para pôr em prática em um futuro. Sim, ele seria técnico. Mas não já. Não em tão pouco tempo de qualificação. A imagem do ídolo se sobrepôs ao tempo. Veio a surpresa. 

Mesmo com toda a bagagem, talvez fosse mais interessante para o próprio Rogério começar a trilhar a nova profissão em divisões de base, talvez em um clube do interior ou como auxiliar do próprio São Paulo. Mais um tempo de estudos. Zidane, gigante da história do futebol, passou pelo time B do Real Madrid como fez Guardiola no Barcelona. Trilharam a realidade antes de se tornarem grandes em uma nova profissão. Mas ser o maior ídolo da história de um grande clube custa caro. Traz vaidade. Tem um peso. E apressa o rolar dos dados. Em um clube acostumado a ser referência de planejamento e que há anos já encontra dificuldades para lidar com um presente envolto em escândalos nos bastidores e insucessos em campo, o retorno de Rogério tem um ar messiânico e um caráter político evidente para eleições tão próximas. Um risco para o próprio. A euforia de torcedores já é perceptível. A autoconfiança de Rogério para iniciar uma profissão em um imenso desafio, também.  

É possível que daqui a alguns meses já observemos um São Paulo organizado, com bom desempenho, novas ideias e o futebol brasileiro ganhe um ótimo técnico. Rogério precisará de tempo, componente geralmente não dado a chegadas messiânicas. Mesmo com todo conhecimento no futebol, Ceni terá de lidar com novas decisões. Talvez desgaste com algum jogador insatisfeito, cobranças da arquibancada diante de fases ruins, vítima de brigas políticas. Cenários inéditos no papel de um comandante aos olhos do público. No Morumbi, Rogério Ceni é enorme e suas costas são grandes. Mas o terreno é arriscado diante de um futebol que cada vez mais exige preparação, estudo e experiência para tomar decisões. Encarar fracassos e dali construir sucessos. Rogério começará do zero. O desafio é grande, ao seu gosto. O risco, também.