8 de julho de 2014


Nunca mais como antes

Esqueça o que foi a Seleção Brasileira até as 17h deste 8 de julho de 2014. A imponência, a arrogância e o favoritismo carregados a cada Copa do Mundo desde que Pelé nasceu para o mundo da bola, em 1958, desapareceram. A camisa verde e amarela com cinco estrelas perdeu peso. A dimensão do que representou o sapeca de sete alemão no Mineirazo ninguém tem. Nem torcedores, analistas, jogadores ou Felipão. Goleada humilhante, em casa, em semifinal de Copa do Mundo. Ainda sob estado de choque, o mantra do futebol nacional aponta apenas na direção da mudança. Justo. Mas o dano é irreparável. 

O baile tático foi evidente e anunciado. Era óbvio que diante de um meio de campo recheado com Schweinsteiger, Kroos, Özil, Müller e companhia o Brasil precisaria encorpar o seu setor, tentar ao menos fazer frente. Mas pelo contrário. Felipão chocou ao escalar o mirrado Bernard para enfrentar os grandalhões pela ponta. E, com isso, oferecer o meio de campo. Sem Neymar e Thiago Silva, o Brasil era ainda mais frágil. O jogo, claro, foi similar a um embate entre adultos e crianças. Brincadeira fácil. Gol, gol e gol. Sete. Tapas na cara do futebol nacional.

Mas além dos desempenhos tático e técnico a Seleção Brasileira surpreendeu pela postura. Alemães tocavam a bola, passeavam em campo e os jogadores, atônitos, apenas assistiam. Não houve raiva com o resultado, tentativa de evitar a humilhação. Jogadores à frente, em busca de uma reação impossível, e porteira aberta. 1 a 0 ou 7 a 1, tanto faz. Incompreensível. Jogadores de bom nível para ao menos fazer jogo duro com Joachim Löw e companhia, a Seleção tinha. 

A falta de compromisso com a história do próprio futebol brasileiro, a incapacidade de se organizar diante de um adversário notadamente superior acenderam o alerta. O Brasil de chuteiras clama por mudanças em sua estrutura. Sem equipes de tv no vestiário, folgas com namoradas e fotos divertidas em Instagram. A Alemanha, ainda que descontraída no calor baiano, mostrou o resultado da estrutura para a Copa do Brasil e, decente, chegou a ficar constrangida com o resultado. O Brasil, autoconfiante, ficou pelo caminho. Foi humilhado, manchou sua história. O fardo de maior vergonha do futebol nacional não é mais de Barbosa. Ele, enfim, descansa em paz. E a Seleção Brasileira? Esta, anote: nunca mais será como antes. 

Foto: Vipcomm

4 de julho de 2014


O tamanho de um ídolo

Ayrton Senna morreu em 1994 e arrebatou multidões pelo mundo e pelas ruas brasileiras. Morreu no ofício, ao volante. Chocou. Pessoas que nunca tinham visto mais de duas voltas em uma corrida de F-1 choraram. Abraçaram-se. Incomodaram-se. Um baixo astral generalizado invadiu o país. Aquela resignação quase palpável invadiu o ar. Ali, viu-se o tamanho de Senna. O tamanho de um ídolo. 20 anos depois, fenômeno semelhante se repete. De forma bem menos dramática, claro. Mas, ainda assim, de forma arrebatadora. 

Neymar, o garoto do sorriso fácil e craque da Seleção Brasileira, não morreu. Longe disso, graças. Mas a lesão nas costas causada pela pancada desleal de Zuñiga mostrou o tamanho do camisa 10. Aos 22 anos, Neymar já tem aquele quê de Senna. A referência do esporte nacional. Aquele que o povo brasileiro insiste em considerar como um dos seus. Aquele que se abraça por nada, por quem se chora, por quem se sente feliz. O drama de Neymar virou um drama nacional. Basta olhar nas ruas. Basta sentir.

Talvez o fato dele ter crescido aos olhos do público e ter se tornado realidade, a esperança brasileira na Copa, tenha contribuído para isso. Mas tão logo foi confirmada a lesão do atacante e a classificação brasileira para as semifinais da Copa foi praticamente esquecida. O astral abaixou. Confissões de tristeza por Neymar, abatimento pela sua saída, invadiram o dia a dia. 

O garoto é carismático, levou um mundo às costas. Carregou a pressão dessa pátria que calça as chuteiras a cada quatro anos. E, agora, na reta final, acabou golpeado. Neymar não está só. Pelo contrário. O carinho por ele parece ter aumentado. Em meio à gravidade de sua saída precoce da Copa do Mundo, o Brasil mostrou, de maneira inconsciente, o tamanho do ídolo que Neymar, aos 22 anos, ja é. 

Foto: Fifa.com

2 de julho de 2014



Sobre waffles e Playstations

Twitter é uma ferramenta fantástica. Mas, em grandes eventos, torna-se solo pantanoso. É lançar uma bola no escuro e, em troca, poder receber outro belo passe ou uma pedrada. Quase um manicômio virtual. Mas a gente se diverte. E se irrita. Faz parte. Ainda mais em jogos da ótima geração belga na Copa do Mundo. Lado A, lado B. Há quem defenda, há quem ironize. Estou no segundo lado por diversão. Não convicção. E isso não quer dizer que eu não goste mesmo da Bélgica. Não mesmo. Pelo contrário. 

Adoro waffles. Bruxelas e Bruges são cidades belíssimas. O povo é simpático. Não curto cerveja, mas amigos que apreciam a nobre arte são só reverências. Não há, portanto, motivos para não se gostar da Bélgica. E há quem ache, realmente, que a galhofa diante da geração de De Bruyne, Fellaini, Witsel e Kompany é mesmo séria. Geração Playstation. Um time virtual, do videogame. Hazard é o Fellype Gabriel que tomou Plasil (atenção: não é um atacante croata do Shakhtar). Óbvio que a Bélgica não é nada disso. 

A provocação ou, no popular, a boa e velha pilha encontrou trampolim em que levou o assunto tão a sério. Quase uma ofensa pessoal. Não houve só elogios à Bélgica. Houve veneração, com uma barreira de estatísticas e mapas de calor por trás, de que os belgas, os bons belgas, eram um esquadrão que assustariam na Copa do Mundo. Não são. Sim, desde 1986 a Bélgica não alcançava as quartas de final da Copa do Mundo. É bacana. Assim como a Costa Rica, de muito menos tradição no futebol.

Travou na primeira fase, encontrou dificuldades, mas venceu os três jogos. Natural para uma geração jovem. Uma ÓTIMA GERAÇÃO. Mas não um esquadrão. Diante das ironias do bom jogo de Courtois e companhia contra os Estados Unidos houve chiliques. Pitis. "Desconhecimento, ignorância". Ora, não leve mtudo a sério, meus caros. Claro que é uma galhofa, gurizada. Óbvio que é uma ironia. Espanta quem, do alto de um pedestal internacional, se sinta atingido pelo contrário. Beira a inocência. 

Caso a Bélgica avance ainda mais na Copa do Mundo, diante da Argentina, será realmente histórico. E bacana. Belo trabalho de Wilmots, o homem que poderia ter ido às quartas de 2002 não fosse o apito brasileiro. É legal ver a Bélgica jogar, organizada, com calma, girando a bola, buscando espaços. É bonito, minha gente. Mas é legal, também, fazer piada. Brincar. É Copa do Mundo. Vamos dizer que a ótima geração belga não apresentou nada de mais. Vamos nos divertir. 

Vou sentar no sofá, na boa almofada, e assistir a Messi e companhia contra Hazard e seus amigos. Vou assistir ao futebol. Vou curtir a Bélgica, a Argentina. Abaixo da tv terá um Playstation. Sem provocação. Entrei até no site da Federação deles que transforma qualquer nome em um legítimo belga. Fosse eu amigo do Kompany nas peladas de rua de Bruxelas na década de 90 e me chamaria Pol Thyskens. Curti. Curto a Bélgica. Curto Waffles. Curto Playstation. Curto a ótima geração. Apreciemos a Copa. Tintin. 

1 de julho de 2014


À sombra do capitão imaginário

"Capitão do time". Puxe na memória a imagem que vem à sua cabeça para preencher esta este cargo. Certamente será a que habita o imaginário popular talvez desde que Bellini tenha levantado a Jules Rimet na Suécia, em 1958. Mãos erguidas, com taça acima. Personalidade forte. Liderança. Cara à tapa. Expressão fechada. Cobrança e estímulo aos companheiros no momento difícil. Nada perto de Thiago Silva nesta Copa do Mundo.

Mais longe ainda da cena do capitão da Seleção Brasileira na decisão de pênaltis contra o Chile, pelas oitavas de final: sentado na bola, lágrimas pelo rosto, cabeça baixa. Angustiado, precisando de apoio dos companheiros. À sombra do capitão imaginário. Thiago Silva, aos 29 anos, está longe de ser um garoto inocente. Não ganhou a braçadeira, como faz questão de se orgulhar em um comercial de tv, por acaso. Exibe liderança, ainda que técnica. É um zagueiro primoroso. 

Mas ao demonstrar o abalo emocional visto no Mineirão ele causa choque. Principalmente por ir em direção contrária à imagem de capitão no imaginário brasileiro. Seja de Dunga, em 94, esbravejando e erguendo os punhos ao cobrar o pênalti na finalíssima diante da Itália ou de Bellini e Carlos Alberto Torres, imponentes, inabaláveis, ao levantar a taça. Liderança, garra, sem fugir à luta. Cientes da responsabilidade. 

Coube a Paulinho, o ex-titular com colete de reserva, motivar jogador por jogador na roda antes dos pênaltis. Thiago Silva apenas assistiu. Não cobrou o pênalti, embora figurasse na lista. Fugiu ao seu papel. Ao sentar na bola, derramar lágrimas antes do ponto final do jogo, o zagueiro postou-se à margem da função que lhe foi dada. E precisa se levantar e sair. Não continuar à sombra do capitão imaginário.