30 de março de 2012


R10, o descartável

O garoto abre o pacote de figurinhas, olha a figura dentuça com desdém e dá de ombros. Não é mais um destaque em seu álbum. Virou apenas mais um. Nas lojas esportivas, a procura pela camisa 10 com seu nome às costas já não é motivo de luta ferrenha. Se não estiver disponível, sem problemas. Cada vez mais sombra de si, Ronaldinho Gaúcho é o ex-craque em atividade que figura apenas no imaginário e decepciona quem tinha esperanças de vê-lo corresponder às expectativas ao menos no início de sua nova jornada pelos gramados brasileiros. Agora, já não há mais justificativas para passagem tão opaca com a camisa do Flamengo.

A paciência da torcida se estendeu até o limite. O polpudo salário, antes em falta, está em dia e abunda a já farta conta bancária. Entre costelas doloridas, conjuntivites e insônias, R10 é elemento incógnito nos treinos e, consequentemente, nas partidas. Em 2012, os espasmos de brilho são cada vez mais raros. Espasmos, sim, pois parecem ser involuntários, como se não quisesse mais estar ali. Figura quase estática no lado esquerdo do campo, Ronaldinho não parece se importar com a imensa sombra que o torna uma caricatura do craque que já foi e precedeu o reinado de Messi no tão poderoso Barcelona.

Pois o que espanta neste atual camisa 10 rubro-negro é exatamente a passividade. Aceita ser simplesmente mais um. Difícil entender tal postura de quem, por anos, acostumou-se aos elogios, holofotes e a encantar plateias pelo mundo por sua relação com a bola, parceira que já lhe parece tão estranha. Em sua volta ao futebol brasileiro, Ronaldo e até, pasmem, Adriano demonstraram vontade de vencer. Concentraram-se o mínimo necessário no que de verdade eram, jogadores de futebol. Ainda que por pouco tempo, souberam brilhar, conquistar títulos. Ronaldinho nem isso. Após a decadência no próprio Barcelona, alternou bons e maus momentos no Milan e aportou no Rio com promessas que ficaram pelo vento.

Com tudo a seu favor, Ronaldinho decidiu seguir como um esboço de sua história. Não se preocupa nem mesmo em honrá-la, por uma última vez que seja, e demonstrar à geração fã de Neymar que ele também era fantástico com a bola nos pés. Está resignado. De um passe a um gol, uma boa atuação aqui, outra ali, o camisa 10 do Flamengo sobreviveu. Mas seu prazo claramente está vencido. O alto investimento rubro-negro já não se justifica. Mesmo diante de tanta paciência, de tanta devoção. Pouco importa se é convocado para a Seleção Brasileira ou não. Seus desfalques em jogos pelo Flamengo não incomodam. Por respeito a si mesmo, o jogador deveria buscar, ao menos, um pouco de vontade em ser de novo um craque. Porque este Ronaldinho atual tornou-se uma figura descartável.

29 de março de 2012


O caminhar de Edmundo

7 de dezembro de 2008. Nem trinta minutos tinham se passado do rebaixamento do Vasco em São Januário quando, sozinho, uma figura cruzava o campo já quase na penumbra de São Januário, rumo ao estacionamento. Olhos marejados, cabisbaixo, passos apressados, Edmundo deixou o campo no qual tanto brilhou quase na clandestinidade. Não merecia. Por tudo que fez pelo Vasco. Pelo craque que foi. Por ser uma contradição com uma personalidade sempre explosiva, em busca de destaque. Pouco mais de três anos depois, o Animal ressurgiu.

Em vez da penumbra, os holofotes. Os olhos de novo marejados, mas desta vez a tristeza deu lugar à alegria. No peito, a camisa do clube que tanto ama. Na arquibancada, os protestos deram lugar às homenagens. Nas costas, o número 10 com o qual tanto brilhou. E seguem os aplausos. Merecidos, portanto, para aquela noite. Porque Edmundo errou ao longo da carreira e da vida. E como errou. Mas a noite era de celebração. De festa. Em homenagem ao craque e ao personagem que foi no futebol brasileiro.

Há quem não compreenda tamanha idolatria da torcida vascaína ao, agora definitivamente, ex-atacante. Pois é fácil explicar. Edmundo entende a língua da gente que leva a cruz-de-malta no peito. Por essa gente, a sua gente, foi feliz. Deu carrinhos, debochou, correu, explodiu, deu declarações sem pensar. Sofreu, raspou o cabelo como autopunição, chorou, fez gols e até vestiu a camisa de goleiro. Encarnou a paixão que emana da Colina como poucos fizeram na história. Incoerente, vestiu a camisa do maior rival e desrespeitou sua torcida. Reação agressiva de quem, com emoções repreendidas em cores que não eram as de suas raízes, ama. Por tudo isso, mais de 20 mil cúmplices dessa paixão estavam lá, a postos para o último adeus.

Incoerente até o último fio de cabelo, Edmundo fez sua despedida quase três anos depois da aposentadoria. Mais encorpado, embora ainda técnico, fez seu gol de pênalti. Agradeceu, aplaudiu, se emocionou. E, de primeira, completou o cruzamento que veio pelo alto. Debochado, repetiu a dancinha provocante que eternizou 15 anos atrás em seu êxtase com a camisa cruzmaltina diante do grande rival. Festa completa para o ídolo que fez explodir o amor pela cruz-de-malta de uma geração de vascaínos. Ao deixar o gramado, expulsou os demônios daquele triste e escuro caminhar de 7 de dezembro de 2008. Agradeceu aos torcedores, "do fundo do coração". Disse estar em paz consigo mesmo. A caminhada agora é feliz, sob luz, honrarias e aplausos. Da arquibancada, Edmundo ouviu gritos de "Fica!". Tolice. Mal perceberam que o Animal já havia atendido a este pedido. Edmundo ficou mesmo. Entre suas contradições, amado e odiado, ele está na história do Vasco e, consequentemente, do futebol brasileiro. Fará uma falta animal.