5 de abril de 2012


O fantástico mundo rubro-negro

Só mesmo no fantástico mundo rubro-negro houve quem não desconfiou que as linhas tortas traçadas no início da temporada não teriam reflexo. A doce ilusão de que a camisa e o fato de ser o clube mais popular do Brasil levarão o Flamengo novamente a uma grande conquista internacional compõem o fantasioso panorama. Nem mesmo os constantes choques de realidade proporcionados pelos seguidos vexames na Libertadores desde 2002 parecem acordar os rubro-negros entorpecidos por uma mística que parece perdida nos tempos de Zico. Tempos estes que muitos nem mesmo presenciaram, mas acreditam, solenes, de que ainda está em curso. Pois saiba, caro habitante do fantástico mundo rubro-negro, que não está.

Há tempos o Flamengo deixou de ser respeitado simplesmente por ser enorme fora de campo. Dentro dele, não o é por seguidas temporadas. Claro, há exceções como o título brasileiro de 2009. Pouco, mas absolutamente justificável para um clube refém de um comportamento que extrapola as raias do profissionalismo como quem troca de camisa. O problema rubro-negro não reside na contratação de Joel Santanta, no vaivém de jogadores tecnicamente fracos, na falta de padrão do sistema defensivo. É estrutural e cultural. No fantástico mundo rubro-negro, jogadores regem seus caminhos a bel-prazer, sem necessidade de prestar contas de seu serviço como qualquer profissional remunerado. No alto da montanha, pacata e omissa, a diretoria a tudo observa com a complacência de uma mãe que não se importa em apenas mimar o filho em vez de educá-lo para os desafios que terá pela frente.

Pois de nada adianta o torcedor habitante do fantástico mundo rubro-negro bater no peito que seu clube é grande, a mística é sedutora, a força é inegável e o título da Libertadores virá apenas com o tempo. O Flamengo de hoje desconhece a competição e nem mesmo se esforça para entendê-la. Os vexames são comuns. Em meio a seus inúmeros erros, Vanderlei Luxemburgo tinha um propósito positivo: dar o mínimo de cara profissional ao futebol rubro-negro. Treinos no horário, exigências, CT em curso e consequente chegada de patrocinadores. Foi ceifado por um amadorismo permissivo com noitadas de jogadores de fortunas no bolso e desempenho pífio em campo. Não tolerou, dançou. Menos um na lista dos que lutam contra o ranço que impede que o Flamengo volte a caminhar rumo à sua grandeza.

Em seu delírio contínuo, o habitante do fantástico mundo rubro-negro também tem sua culpa. Exige profissionalismo de Ronaldinho e pede a volta de Adriano. Critica Luxemburgo por suposta retranca e exalta Joel e seu estilo boleiro. Contradições que formam o Flamengo atual em um monstrengo que caminha e tropeça nas enormes pernas. De classificação na bacia das almas a esperança de uma simples vaga na Libertadores, o sonho de reviver os tempos de Zico é alimentado. Mas entre jogadores sem a consciência do que é o clube, vazamento de informações para enfraquecer condutas de profissionalismo, o sonho se perde. O Flamengo, hoje, é mero coadjuvante no cenário sul-americano. Em benefício do clube, todo torcedor deveria reconhecer isso. A não ser, claro, que esteja no fantástico, e triste, mundo rubro-negro.

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