27 de outubro de 2016


A obsessão míope por uma vaga

Bastou a canetada em conjunto de Conmebol e CBF para os clubes brasileiros sorrirem de orelha a orelha. Mais duas vagas para a Libertadores foram encaixadas na Série A. G-4 virou G-6. E aumentou o dilema de quem lutava pela Copa do Brasil: por onde a chegada à Libertadores seria mais fácil? O discurso que já ganhava força entre clubes, diretoria, jogadores, imprensa e até torcida aumentou os contornos de obsessão. No Brasil, vale tudo por uma vaga na Libertadores. Até contemporizar título. 

Conquistar a Copa do Brasil deve ser motivo de orgulho para o vencedor. Mais um trofeu nacional na galeria, mais um momento inesquecível para os torcedores, mais um capítulo na história. Talvez renda, em alguns casos, estrela na camisa. E, por fim, uma vaga na Libertadores. A ordem, no entanto, é inversa. A Copa do Brasil é vista como o melhor atalho para a Libertadores. Como se uma simples vaga ao maior torneio sul-americano superasse um trofeu. A obsessão causa miopia. E vira muleta. 

No próprio Campeonato Brasileiro muitos clubes voltaram à luta já abandonada por uma vaga na competição internacional. Teriam, ali, um sentimento de dever cumprido no ano. Não foi campeão, não teve uma campanha digna do investimento e da história, mas conquistou uma vaga. Supervalorização. Vá lá que não se pode vencer sempre, mas para o Corinthians, atual campeão brasileiro, o sexto lugar neste ano e a conquista da vaga seriam pouco. Ninguém preenche a galeria de trofeus e dá aos torcedores momentos inesquecíveis com a quantidade de vagas em Libertadores conquistadas. Simbolicamente será sempre menor do que um título. Política e financeiramente, a Libertadores nem chega a ser tão rentável. 

Pelos números mais recentes, a cada jogo a competição sul-americana paga 450 mil dólares, cerca de R$ 1,4 milhão. Na fase de grupos, com seis partidas garantidas, o valor alcançaria R$ 8,4 milhões. Em previsões otimistas, o campeão sul-americano talvez alcançasse um montante próximo dos R$ 18 milhões. Apenas com a participação nos Estaduais, os clubes paulistas embolsam, cada um, R$ 17 milhões em cotas de tv. Os cariocas, R$ 15 milhões no novo contrato oferecido pela Globo. No Brasileiro, Corinthians e Flamengo levam cada um mais de R$ 100 milhões para casa por ano pelos direitos de transmissão. É praticamente um terço de suas receitas anuais. Ainda que em crise econômica, o Brasil mostra mais condições de manter jogadores de maior nível do que os vizinhos sul-americanos. 

Poderia ser a liga mais famosa das Américas, ganhar corpo politicamente e, sim, pleitear por uma Libertadores ainda mais forte. Mas parece, por enquanto, impossível. A vaga vale mais do que taça e do que o campeonato nacional. Discurso encorpado por todos que circundam o universo da bola. Clubes, jogadores, imprensa, torcedores estão viciados nele. Culpa da míope obsessão por uma vaga. 

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