24 de novembro de 2016

O técnico Rogério, o contrassenso e o risco

Inegável que há uma mudança em curso no futebol brasileiro na avaliação de técnicos. Profissionais mais qualificados, considerados preparados e atualizados com novas ideias que bafejam sobretudo no continente europeu tomaram à frente na preferência de público, crítica e até de cartolas. Basta observar novos perfis que já comandam grandes clubes. Zé Ricardo no Flamengo, Jair Ventura no Botafogo, Roger até pouco tempo no Grêmio. Todos recebidos como boas e revigorantes ideias em um ambiente já enfadado de velhos medalhões. A chegada de Rogério Ceni ao comando do São Paulo menos de um ano após a própria aposentadoria é, portanto, um contrassenso. 

Impossível questionar a capacidade de Rogério para leitura de jogo, compreensão de vestiário, liderança. Elementos fundamentais para a nova profissão. O ex-goleiro tem tudo isso. Mas ainda não é técnico. Logo após pendurar as luvas, o ex-camisa 1 embarcou na nova onda do futebol brasileiro. Inteligente, compreendeu o momento. Para ser técnico é preciso qualificação além de história, experiência na carreira como jogador, entendimento de vestiário. Ceni sabia disso e buscou se aprimorar. Viajou à Europa, frequentou clubes ingleses, fez cursos disponíveis e se encontrou com Jorge Sampaoli. Tudo amplamente divulgado, como quem mandasse sinais. A ideia de Rogério Ceni, o técnico, passou a ser digerida por todos. Estudou, buscou entender métodos para pôr em prática em um futuro. Sim, ele seria técnico. Mas não já. Não em tão pouco tempo de qualificação. A imagem do ídolo se sobrepôs ao tempo. Veio a surpresa. 

Mesmo com toda a bagagem, talvez fosse mais interessante para o próprio Rogério começar a trilhar a nova profissão em divisões de base, talvez em um clube do interior ou como auxiliar do próprio São Paulo. Mais um tempo de estudos. Zidane, gigante da história do futebol, passou pelo time B do Real Madrid como fez Guardiola no Barcelona. Trilharam a realidade antes de se tornarem grandes em uma nova profissão. Mas ser o maior ídolo da história de um grande clube custa caro. Traz vaidade. Tem um peso. E apressa o rolar dos dados. Em um clube acostumado a ser referência de planejamento e que há anos já encontra dificuldades para lidar com um presente envolto em escândalos nos bastidores e insucessos em campo, o retorno de Rogério tem um ar messiânico e um caráter político evidente para eleições tão próximas. Um risco para o próprio. A euforia de torcedores já é perceptível. A autoconfiança de Rogério para iniciar uma profissão em um imenso desafio, também.  

É possível que daqui a alguns meses já observemos um São Paulo organizado, com bom desempenho, novas ideias e o futebol brasileiro ganhe um ótimo técnico. Rogério precisará de tempo, componente geralmente não dado a chegadas messiânicas. Mesmo com todo conhecimento no futebol, Ceni terá de lidar com novas decisões. Talvez desgaste com algum jogador insatisfeito, cobranças da arquibancada diante de fases ruins, vítima de brigas políticas. Cenários inéditos no papel de um comandante aos olhos do público. No Morumbi, Rogério Ceni é enorme e suas costas são grandes. Mas o terreno é arriscado diante de um futebol que cada vez mais exige preparação, estudo e experiência para tomar decisões. Encarar fracassos e dali construir sucessos. Rogério começará do zero. O desafio é grande, ao seu gosto. O risco, também. 

Nenhum comentário: