27 de setembro de 2016


Cuca pode mais

Cuca é um técnico que gosta de trocar ideias. Absorver o que está ao seu redor. Não só de jogadores e dirigentes. Gosta de trocar ideias, também, com jornalistas. Saber o que pensam dele, do futebol. Passar o que pensa. E sentir o ambiente ao seu redor. Por isso parece ser tão cismado. Preocupa-se. Ofende-se. Alegra-se. E é inquieto. Prezava, sempre, pelo futebol bem jogado, de pé em pé. Tabelas, triangulações, troca de posições,gols bonitos. Apresentou a todos uma característica. Por isso surgiram as críticas ao recente gosto excessivo pela bola alçada na área pelo seu Palmeiras. Líder com todos os méritos. Mas um líder que já fez mais. Mudou mais. Com a característica do técnico. Daí as críticas ao futebol praticado recentemente pelo primeiro colocado. Cuca pode mais. 

E sempre quis mais. Acompanhei o técnico de perto durante sua passagem pelo Botafogo, há uma década. Alexi Stival já tinha renome graças à campanha que milagrosamente salvou o Goiás de um rebaixamento virtual em 2003 e ao São Paulo semifinalista da Libertadores, em 2004. Já no Botafogo de 2006, Cuca carregava orgulho e amargura pelo trabalho no Tricolor Paulista. Orgulho por ver o time que iniciara a montagem ter conquistado a Libertadores e o Mundial de 2005. Sentia-se parte do sucesso. Amargura por ter deixado o clube logo após a eliminação da Libertadores, com um gol no fim da partida contra o Once Caldas. "Eu já pensava nos pênaltis. E, de repente, aquela bola entrou. Mudou tudo", cheguei a ouvi-lo alguma vez sobre a passagem pelo São Paulo. Cuca sabia que podia mais. Queria aliar plasticidade a competitividade. No Botafogo, quis mostrar que conseguia. 

Chegou em 2006 e passou a lapidar o time para o ano seguinte. O gosto pela bola parada e alçada na área já existia. Ele mesmo cobrava os escanteios nos treinos em Caio Martins. Indicava o posicionamento de atacantes como Reinaldo e Wando. Realizava a batida que pedia nos jogos. E pedia, também, jogo bonito, com troca de passes. Maroto, aproximava-se dos jornalistas após um coletivo e, sorrindo, perguntava o que tinham achado do treino. Se alguém titubeava, ele emendava: "Não assistiu e depois vai lá com canetinha...". E indicava como pensava os jogos. Certa vez sentei ao seu lado no fim de um treino, na véspera de um jogo do Botafogo com o Santos de Vanderlei Luxemburgo no Maracanã. Era duelo importante pelo Brasileiro. Cuca perguntou o que achava do jogo. Entre um e outro pensamento, ele detalhou como pensava que seria. 

"Se o Vanderlei puxar o Zé Roberto para a direita e manter o Tabata pelo meio, trago o Reinaldo mais centralizado e libero o Claiton por ali", disse, indicando com o dedo para o campo vazio de Caio Martins. 

Depois deu mais duas ou três opções de posicionamento dos jogadores como resposta às possíveis mexidas de Vanderlei Luxemburgo. No dia seguinte, o pensamento de Cuca se materializou no gramado do Maracanã. O jogo se desenhara como ele previra, num belo duelo tático. O Botafogo venceu por 4 a 3, de virada. Cuca era só sorrisos. Sabia que podia bater um dos técnicos mais renomados do país, Luxemburgo. Sabia que podia mais. Preocupava-se com a plasticidade do jogo. E pensava já em 2007. Olhava o mercado. No fim de 2006, apresentou Jorge Henrique, ainda desconhecido depois de passagem pelo Santa Cruz. 

"Vai ter sucesso na carreira. É um touro, ataca, marca, faz o que pedir. Temos Dodô, Zé Roberto. O time vai jogar bonito, você vai ver", dizia, com um sorriso. 

E fez. O Botafogo de 2007 de Cuca encantou o país. Claro, havia a jogada cruzada na área para uma casquinha de cabeça na primeira trave e o arremate do atacante na segunda. Era uma arma. Não a arma. A regra era a abundância de troca de passes, triangulações, boas infiltrações. Zé Roberto, Dodô, Lucio Flavio, Jorge Henrique. Luciano Almeida, o lateral-esquerdo que era zagueiro. Leandro Guerreiro fez golaço. Mas o Botafogo não conquistou o Brasileiro depois de ameaçar disputá-lo com o São Paulo. Cuca saiu e voltou ao clube. Os times do Botafogo jogavam bonito, mas não conquistaram nada. O técnico sentiu o peso que pareceu ter carregado até levantar a Libertadores pelo Atlético-MG, em 2013. Um time que usava o arremesso de lateral na área, a bola área, mas também prezava o jogo de grande movimentação. Tinha Ronaldinho, Tardelli e Bernard. Cuca dava mais ao Galo. 

No retorno ao Brasil neste ano era isso que se esperava de Cuca. Mais. Em um futebol tão engessado tática e tecnicamente, ele era visto como um sopro de renovação por torcedores e imprensa. O Cuca inquieto, dos tempos de Botafogo e Atlético Mineiro. Em busca de soluções para furar defesas. Triangulações, jogo bonito. A antítese de um Palmeiras que era campeão da Copa do Brasil, mas se incomodava com o jogo pobre proporcionado por Marcelo Oliveira. Chuveirinho, bola na área. Cuca chegou e trouxe o impacto. O Palmeiras, claro, mudou. Melhorou. Com a bola no chão. Encorpou, tornou-se mais competitivo. 

Gabriel Jesus fulminante no início do Brasileiro. Time rápido. Mas então líder, com números a favor, o jogo decaiu. Em apuros passou a buscar o lançamento na área pelos lados ou pela intermediária. O arremesso de lateral. E foi criticado. Porque é exatamente o contrário do que se espera de Cuca. Aquele técnico inquieto, que imaginava o jogo adversário e mudava o posicionamento do time para contragolpear bloqueios dos rivais. De pé em pé. Uma contribuição ao futebol brasileiro. O Palmeiras é líder incontestável. Mas pode ir além. Principalmente com elenco que tem. Mina, Victor Hugo, Moisés, Dudu, Gabriel Jesus. E pelo seu técnico. Sim, Cuca. Por todos os trabalhos que fez. Por Botafogo, Cruzeiro, Atlético-MG. Por ele próprio. Cuca pode muito mais. 

   

Nenhum comentário: